domingo, 4 de outubro de 2009

The Red Book: O Rubicão Particular de Jung





O historiador Sonu Shamdasani, coordenador do projeto Philemon Foundation ( http://www.philemonfoundation.org/), brinda a comunidade junguiana internacional com mais uma trabalho de inestimável valor: a publicação do, até então, inédito Livro Vermelho de Jung.
O livro será publicado em Outubro deste ano e faz parte do ambicioso projeto da Philemon Foundations em trazer ao público textos, seminários, cartas e escritos inéditos de Jung alcançando o incrível número de 30 volumes a ser incorporados às obras publicadas de Jung ( as Obras Completas possuem 21 volumes) num prazo de 30 anos.
O Livro Vermelho
Após o período de separação da relação intelectual com Freud, Jung atravessou um delicado e importante momento psicólogico que nomeou como " Confronto com o inconsciente". Foi durante a travessia deste Rubicão particular que desenvolveu algumas das suas principais teorias como inconsciente coletivo, os arquétipos, tipos psicológicos e o próprio processo de individuação. Jung também amplia o conceito de psicoterapia ao pensá-la não apenas como uma prática relacionada com o tratamento da patologia para poder ser considerada como um meio de reconexão com a alma e à recuperação do sentido da vida. No centro desse trabalho estava o lendário Livro Vermelho (Red Book). O livro vermelho é um in-fólio encadernado em couro vermelho e contém as fantasias escritas e pintadas por Jung mas sob uma forma e uma linguagem elaboradas, escritas em caligrafia gótica, à maneira dos manuscritos medievais. Embora Jung considerasse o Livro Vermelho, ou Liber Novus (Novo livro) ser um dos lugares centrais para trabalhar e compreender sua obra, ele permaneceu inédito até os dias atuais e não disponível para estudo e invisível para o público em geral. A obra pode ser melhor descrita como um trabalho de psicologia em forma literária e profética. É possivelmente o mais influente trabalho inédito na história da psicologia. Sua publicação é um marco que inaugura uma nova era para a compreensão da vida, da obra de Jung e dos estudos junguianos.
A biógrafa Deirdre Bair em seu livro " Jung- Uma biografia" comenta:
" Nele ( O livro Vermelho"), Jung trabalhou com desenhos generosos ilustrando suas fantasias, acompanhados de textos interpretativos escritos em tinta preta fina e uma caligrafia inventada por ele, que parecia uma mistura de gótico e irlandês", " uma caligrafia monástica de letras pretas que anotaram seus sonhos mais importantes desde 1913", todo ilustrado com " desenhos perturbadores, realmente malucos".
Segundo a biógrafa, escrever o Livro Vermelho e os Sete Sermões aos Mortos serviu a uma decisão muito importante para Jung, ou seja, à decisão de pôr fim aos anos de concentração em seu inconsciente e se envolver no mundo em geral. Diz a escritora: " As fronteiras da Suiça agora estavam abertas, depois de terminada a guerra, e o auto-imposto isolamento criativo de Jung estava chegando ao seu fim natural. Sua vida pessoal e pública sofreu uma guinada, quando seu principal objetivo passou a ser como dar às suas teorias uma forma que as tornasse acessíveis ao mundo."
Em " Memórias, sonhos e reflexões", Jung comenta:
" O livro Vermelho contém a maioria das mandalas que desenhei. No livro vermelho, tentei o ensaio ineficaz de uma elaboração estética das minhas fantasias , mas não o terminei. Tomei consciência de que não me expressara numa linguagem adequada e de que ainda devia traduzí-la. Assim, pois, renunciei a tempo à " estética" e me concentrei seriamente na compreensão indispensável.
(...) Senti a urgência de tirar conclusões concretas dos acontecimentos que o inconsciente me havia transmitido, e isto se transformou na tarefa e conteúdo de minha vida".
" A elaboração estética do Livro Vermelho foi-me necessária, por maior que tenha sido a irritação que às vezes me causou; através dela cheguei à compreensão da responsabilidade ética em relação às imagens. Esta atitude influenciou a conduta de minha vida de modo decisivo.
Compreendi que nenhuma linguagem , por mais perfeita que seja, pode substituir a vida".

Marcus Quintaes

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Curso de Extensão: Jung e os Pós-Junguianos


A psicologia analítica desenvolvida por C. G. Jung é uma teoria psicológica de grande valor, capaz de fornecer subsídios conceituais para a reflexão e investigação de vários fenômenos da vida contemporânea.
As ideias de Jung , assim como as revisões e os desdobramentos realizados pelos autores pós-junguianos, percorrem uma variedade de temas que hoje se mostram extremamente relevantes, tais como: a função criativa do inconsciente, o sonho como fator de auto-regulação da psique, a busca da diferenciação entre o conceito e os fenômenos da imagem e do símbolo, o exame das construções psicológicas que caracterizam as diferentes sociedades (os complexos culturais), a indissociabilidade entre natureza psíquica e cultura, os arquétipos como esquemas psíquicos formadores de subjetividades, o resgate da função da contratransferência na clínica das neuroses e a imaginação como faculdade primária da atividade psíquica.
Com o objetivo de afirmar a originalidade, potência e atualidade do pensamento de Jung oferecemos este curso de extensão em Jung e os Pós-Junguianos. Sem sectarismo, acreditamos que não somente é posível, mas necessário estimular o debate entre as ideias de Jung (e dos autores pós-junguianos) e os demais saberes contemporâneos como as ciências humanas, a psicanálise, a filosofia e as ciências naturais.

Módulos:

1 - Fundamentos da Psicologia Analítica de C.G.Jung


Uma breve história da psicologia analítica. Jung e seu tempo: os anos psiquiátricos, o encontro com Freud e a criação da psicologia analítica. As principais escolas do pensamento junguiano na atualidade: clássica, desenvolvimentista e arquetípica. Os conceitos e proposições fundamentais da psicologia de C.G.Jung: complexo, arquétipo, símbolo, imagem e processo de individuação, alquimia e a metáfora dos processos psíquicos.

2 - James Hillman e a Psicologia Arquetípica


James Hillman e a "revisão" da psicologia junguiana. O retorno à idéia de alma. Politeísmo e metáfora. Imagem e imagem arquetípica. Psicopatologia Arquetípica. Anima Mundi. A base poética da alma. Personificar e ver através. Código do Ser e a Força do Caráter. Sonhos e mundo subterrâneo.

3 - A Escola Desenvolvimentista de Londres


A Escola Desenvolvimentista de Londres e sua aliança com a psicanálise inglesa. A Psique da criança. As contribuições teóricas e clínicas de Michael Fordham. Aproximação da teoria junguiana com as modernas teorias evolutivas e etológicas. Jung e Bowlby- A teoria do apego. O autismo como desordem do Self. Arquétipos, teoria da evolução e psicopatologia. Fordham, Klein e Winnicott: o diálogo entre a psicologia analítica e a psicanálise inglesa.

4 - O Pensamento Pós-Junguiano hoje


Alguns dos principais temas trabalhados pelos pós-junguianos na atualidade. A contribuição de Wolfgang Giegerich e a vida lógica da alma. As nove estruturas do caráter segundo N.J.Dougherty e J.West. Os complexos culturais no cenário contemporâneo. Novas direções na clínica pós-junguiana.


Início: 22 de agosto de 2009

Horário: 14hs às 19hs - Sábados
Duração: quatro meses
Carga horária: 40 horas
Local: Rua Jardim Botânico, 674, cobertura
Informações: (21) 2543 5006 e (21) 9192 4430
Investimento: quatro parcelas de 210 reais

sábado, 18 de julho de 2009

Evento: Jung e a neurociência


A neurociência vem nas últimas décadas revolucionando o conhecimento do cérebro humano. Sobreviverão as psicologias diante destas novas descobertas? Que relação pode haver entre a psicologia de Jung (e dos pós-junguianos) e a neurociência? Para debater este tema, nós do Rubicão convidamos todos os interessados para o evento Do inconsciente ao neurônio: Jung e a neurociência.
[Clique na imagem do cartaz para aumentá-la]


terça-feira, 7 de julho de 2009

Os pós-junguianos e o elogio da multiplicidade




O artigo deste post é o mesmo que escrevemos para o livro Sacral Revolutions (no prelo). Com a devida autorização da editora, apresentamo-lo em nosso blog, em português.



Os pós-junguianos e o elogio da multiplicidade



Por Marcus Quintaes e Henrique Pereira




Andrew Samuels é, provavelmente, o pensador e analista junguiano estrangeiro que mais vezes visitou o Brasil nos últimos vinte anos. Desde o início da década de 1990, Samuels visitou nosso país em diversas ocasiões para compartilhar seu conhecimento e experiência psicológicos com a comunidade junguiana brasileira. Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Belo Horizonte e Canela foram algumas das cidades que receberam este analista britânico — e, tendo em vista seu interesse em política, poderíamos dizer cidadão britânico. Nesta longa trajetória por nossas terras tropicais, Samuels apresentou muitos temas e tópicos atuais. Dentre os temas de interesse teórico e clínico, abordou a relação entre psicologia profunda e transformação política, o fascínio do fundamentalismo, a questão do corpo do pai, o relacionamento entre angústia pessoal e desespero social, a noção do “líder suficientemente bom”, a experiência do amor e suas feridas. Sua mais recente palestra, proferida em novembro de 2008, em São Paulo, tratou do tema da agressão transformadora no contexto pessoal e cultural.


A maioria dos livros de Samuels foi traduzida para o português. Contudo, foi indiscutivelmente a tradução e publicação de seu volume de 1985, Jung and the Post-Jungians, em 1989, que o tornou uma referência fundamental para o campo junguiano brasileiro. Este livro é hoje um clássico acima e abaixo do Equador. Nele, Samuels apresentou os principais conceitos e ideias da teoria e prática da psicologia analítica — arquétipo, complexo, ego, desenvolvimento da personalidade, sonhos, processo analítico — tal como formulados por Jung, assim como os aportes e as revisões dos autores pós-junguianos. Destacamos aqui dois tópicos que nos parecem cruciais para a compreensão da importância e repercussão deste livro, particularmente, no Brasil. O primeiro se refere ao uso do termo “pós-junguiano”: Que significa esta expressão? Qual o telos desta imagem?


Temos testemunhado que a psicologia junguiana perdeu muito de seu brilho e interesse desde a morte de Jung. Tem-se a impressão de que muitos junguianos ficaram satisfeitos em apenas repetir as palavras do mestre. Assim, a psicologia analítica foi aos poucos se impermeabilizando a trocas com outros saberes, evitando discutir ideias diferentes das suas. Depois de Jung, poucas concepções originais brotaram no campo junguiano. Será esta tendência indicativa do medo dos junguianos de colocar em risco as próprias ideias de Jung? Somente pela compreensão deste cenário histórico como ponto de partida é que podemos entender o surgimento do movimento pós-junguiano e desse modo desfazermos a fantasia ilusória de que o prefixo “pós” possa ser interpretado como afirmação de que as ideias de Jung estão simplesmente obsoletas. Diversamente, a atitude pós-junguiana significa um compromisso ético em levar o pensamento de Jung “adiante” — isto é, a intenção é promover a expansão das fronteiras da psicologia analítica para além dos territórios já conquistados. Mais ainda, se quisermos aprofundar a metáfora, podemos descrever a atitude pós-junguiana como envolvendo também a capacidade de abdicar das terras que se mostram inférteis e improdutivas, e fazer seu luto (e.g. o preconceito de gênero embutido nos conceitos de anima e animus). Os pós-junguianos estão com Jung mesmo quando vão além de Jung.


De acordo com Samuels, portanto, a atitude pós-junguiana significa a rejeição à reverência inapropriada e aceitação passiva da psicologia de Jung, evitando uma atitude que pode ser descrita como fundamentalista em psicologia. Um exemplo, retirado da revista Spring 2001, cujo título é Jungian Fundamentalism, pode ajudar a esclarecer a questão:

“Alguns anos atrás, como cortesia, enviamos a uma analista junguiana (formada no Instituto Jung de Zurique) em Genebra alguns exemplares da Spring, depois que ela expressou interesse nas nossas publicações. Meses se passaram e não tivemos mais notícias dela, nem um obrigado, nem se tinha recebido as revistas ou o que havia achado delas. Curiosos e temerosos de que talvez as publicações não tivessem chegado, contatamos a analista e lhe perguntamos se as tinha recebido. Ela disse que tinha e se desculpou por não ter nos agradecido mais prontamente. Então, houve uma pausa embaraçosa. Assim, ainda mais curiosos, perguntamos-lhe o que ela tinha achado das revistas. Ela disse que havia gostado muito delas, mas estava perplexa. Imaginava por que nos preocupávamo-nos em publicar ensaios sobre psicologia visto que Jung já tinha escrito tudo que era necessário ser escrito sobre psicologia e nada mais era preciso” (p.5).

A atitude pós-junguiana consiste justamente no repúdio desta posição, já que implica uma simultânea aproximação e distanciamento crítico do legado de Jung. É importante ressaltar a palavra “crítico” neste cenário. Samuels no artigo intitulado “Will survive the post-jungians?” comentou que se fosse reescrever Jung e os pós-junguianos, seu novo título seria Psicologia analítica crítica. Este distanciamento crítico é que irá permitir aos pós-junguianos a liberdade necessária de pensamento para o completo aprofundamento nos textos de Jung. Nesse sentido, a atitude pós-junguiana significa a adoção de uma perspectiva pluralista na psicologia profunda. Não por acaso, o livro seguinte de Samuels se chamou A psique plural. Neste trabalho, o pluralismo é descrito como o jogo entre multiplicidade e unidade, e não como sinônimo de multiplicidade. O um e o múltiplo, não o um ou o múltiplo. Na perspectiva pluralista, as diferenças teóricas e práticas são bem-vindas, assim como é bem-vindo o consenso, contanto que não elimine o valor específico dos pontos de vista particulares. Em resumo, nenhuma teoria é a priori melhor que outra, visto que todas exibem vantagens e desvantagens. O corolário disto na prática clínica é o de que nenhum material do paciente é considerado, por princípio, mais importante. Assim, a análise da transferência-contratransferência não é “melhor” para a prática do clínico do que o trabalho com imagens e símbolos — e vice-versa. Isto se aplica também a nós como pessoas. Conforme explica Samuels, “deparamo-nos com a tarefa pluralista de reconciliar nossas muitas vozes e imagens no interior de nós mesmos com o desejo e a necessidade de nos sentirmos integrados e de podermos falar com uma única voz” (id., 1992., p.16).


O pluralismo, como sabemos, deita raízes no pensamento de William James (cf. 2006). Entretanto, convém não esquecermos o quanto Jung, ele próprio, aproximou-se da filosofia deste pensador americano (cf. Shamdasani 2003; Pereira 2007). No seu prefácio de “Tentativa de apresentação da teoria psicanalítica”, Jung (1998) cita uma passagem de James a fim de sustentar exatamente seu direito de propor ideias que divergem da ortodoxia psicanalítica representada pelas concepções de Freud:

“Você deve extrair o valor prático de cada palavra e colocá-lo em ação dentro da corrente de sua experiência. Isto parece menos, então, uma solução do que um programa de mais trabalho e mais, sobretudo, uma indicação dos meios pelos quais se podem mudar realidades existentes. As teorias tornam-se, portanto, instrumentos e não respostas a enigmas, em que possamos nos apoiar. Não nos detemos nelas. Nós avançamos e, por vezes, mudamos a natureza com sua ajuda” (James apud Jung, 1998, p.98).

A afinidade de Jung com o pluralismo de James vai muito além do trecho citado acima, mas isto não pode ser plenamente desdobrado aqui. Contudo, vale recordamo-nos uma passagem de Jung, onde ele revela uma posição explicitamente pluralista. Na conferência “Medicina e psicoterapia”, de 1945, observou:

“As teorias são inevitáveis, mas não passam de meios auxiliares. Assim que se transformam em dogmas, isso significa que uma dúvida interna está sendo abafada. É necessário um grande número de pontos de vista teóricos para produzir, ainda que aproximadamente, uma imagem da multiplicidade da alma. Por isso é que se comete um grande erro quando se acusa a psicoterapia de não ser capaz de unificar suas próprias teorias. A unificação poderia significar apenas unilateralidade e esvaziamento. A psique não pode ser apreendida numa teoria, tampouco o mundo” (id., 1988, p.85).

Ora, Samuels, colocando-se a favor do pluralismo como a posição filosófica ou ideológica mais adequada para a psicologia profunda, revela-se, mais do que nunca, “junguiano”! Mostra-se desse modo herdeiro do caráter inquieto, herético e antidogmático que marca a psicologia de Jung — ou ao menos parte dela. O temperamento pluralista incutido na expressão “pós-junguiano” constitui, ele próprio, parte da alma da psicologia analítica de Jung. Samuels — ao lado de outros, sobretudo James Hillman — merece o crédito de ter exaltado esse aspecto da psicologia junguiana. Em um artigo escrito em 2002, “The Hidden Politics of Healing: Foreign Dimensions of Domestic Practice”, retoma a discussão do pluralismo na psicologia profunda, mostrando os riscos, mas principalmente os benefícios desta abordagem. O psicoterapeuta pluralista, observou, passeia pelas escolas de psicologia porque entende que, em alguns casos, determinado enfoque teórico ou método terapêutico pode se mostrar mais benéfico para o paciente. Interessado primeiramente nas conseqüências práticas de suas escolhas teóricas, o psicoterapeuta pluralista é um pragmatista.


O reconhecimento da diversidade de interpretações da obra de Jung pelos pós-junguianos trouxe com ele a necessidade de se considerar seriamente as dinâmicas de poder atuantes na psicologia profunda. Assim como no nível subjetivo, onde os heterogêneos complexos anímicos lutam entre si, a realidade profissional do campo junguiano é marcada por disputas. Com efeito, o próprio dispositivo analítico é atravessado pelo poder. Questões de classe e ideologia, por exemplo, costumam desempenhar um papel importante no trabalho psicoterapêutico — sobretudo quando negligenciadas, como acontece ainda hoje em dia. Samuels examinou estas questões detalhadamente em dois livros de amplo alcance: A psique política (1995) e A política no divã (2002a).


Tudo isto indica que o modo como Samuels escreve seus textos pós-junguianos é, em determinado nível, a expressão de uma fantasia pluralista. Fantasia que, com sua ênfase na diversidade, nas permutas e — por que não? — no roubo de idéias, poderá nos orientar na produção e consumo da literatura pós-junguiana. Nesse aspecto, a psicologia de Samuels está sob o signo de Hermes, o deus das trocas, conforme ele próprio reconheceu.
O segundo ponto oriundo do trabalho de Samuels que gostaríamos de destacar é a importância da classificação das escolas junguianas segundo diferentes critérios teóricos e clínicos. Ultrapassando, as classificações anteriores, que eram orientadas por aspectos geográficos e históricos, Samuels privilegia uma nova modalidade de classificação, que valoriza determinados aspectos tanto do corpo teórico como da prática clínica. Desta nova direção, ele propõe três escolas junguianas: clássica, desenvolvimentista e arquetípica. A escola clássica privilegia a tradição inaugurada por Jung no que concerne à busca da individuação e realização do si-mesmo. A escola desenvolvimentista trabalha sobre aspectos da infância e do desenvolvimento da personalidade, assim como as dinâmicas da transferência e contratransferência. Finalmente, a escola arquetípica enfatiza o soul-making e o trabalho com as imagens, tal como proposto por James Hillman.


É interessante notar que esta tentativa de classificação das escolas e, posteriormente, re-classificá-las, foi alvo não apenas de vários embates entre os junguianos, mas também de um auto-exame por Samuels. Fiel ao preceito de Jung de que toda teoria é uma “confissão subjetiva”, realizou a sua própria:

“Indubitavelmente, um elemento de minha própria sombra estava presente no livro — talvez houvesse uma fantasia sincretística olímpica ao fazer uma classificação como aquela. Espero que a utilidade que ele teve ao longo dos anos tenha superado os aspectos de sombra. Na verdade, não escrevi o livro de uma perspectiva de claridade olímpica; escrevi a partir da confusão de ser um recém-formado analista que necessitava compreender o que tornava meus antecessores e superiores tão agitados e divididos. Se houvesse um deus deste livro, seria Hermes em vez de Zeus. No livro, e subseqüentemente, assumi uma posição muito menos literal em relação às escolas. O que eu diria agora é que dentro de cada analista junguiano há um analista da escola clássica, um analista da escola desenvolvimentista e um analista da escola arquetípica. Isto significa que está potencialmente aberto a qualquer analista ou candidato junguiano, ou psicoterapeuta de orientação junguiana, acessar um amplo espectro de ideias, práticas, valores e filosofias que constitui o campo global da psicologia e análise pós-junguiana. Isto no capacita a saudar a emergência daquilo que agora chamo de ‘analista junguiano modelo novo’ (new model Jungian analyst). Este é alguém que, por causa do trabalho de diferenciação que eu e outros fizemos, é capaz de saber quando trabalham de algum modo em particular, com ideias e práticas específicas das quais estão tirando partido: clássica (si-mesmo e individuação); desenvolvimentista (infância, transferência-contratransferência); arquetípica (alma, imagens particulares). Eles podem tirar partido de todas elas, algumas delas e, conforme discutiremos a seguir, nenhuma delas. Podem variar a mistura através de sua prática; podem variá-la na análise de um indivíduo; e podem variá-la nos limites de uma única sessão analítica clínica” (Samuels,1988, p.20).

Neste mesmo texto, escrito treze anos depois da publicação de Jung and the Post-Jungians, Samuels revê e propõe uma nova e mesmo mais provocativa classificação para as escolas de psicologia analítica pós-junguianas. Mantém que as escolas clássica e desenvolvimentista ainda existam, porém, acrescenta aquilo que irá nomear como versões extremas destas duas escolas: o Fundamentalismo junguiano e o Junguiano fusionado com a psicanálise.


Os fundamentalistas junguianos se caracterizam pelo desejo de controlar pensamentos e das identidades. O texto de Jung é interpretado como escritura sagrada provocando uma ênfase desmedida sobre o homem Jung ou aquilo que poderia ser denominado “modo de vida junguiano” (Jungian way of life). As noções de ordem, padrão, equilíbrio e integração são privilegiadas e há a tentativa de excluir as experiências estranhas a este padrão de fantasia: fragmentação, evanescência, dispersão, inconstância.


Os adeptos à fusão com a psicanálise são aqueles que idealizam a psicanálise como uma técnica e um saber mais refinados, tanto teoricamente como clinicamente, que a análise junguiana. Daí ocorre a renúncia a conceitos e contribuições que Jung considerava fundamentais para a prática clínica: uso da contratransferência, o telos do inconsciente, a perspectiva simbólica da vida psíquica, sonhos como compensação. O desafio para esta escola (segundo Samuels) é descobrir se eles podem usar conceitos psicanalíticos sem perder sua identidade de analistas junguianos.
Aqui retornamos ao início de nosso texto para nos perguntar: Qual a relação entre estas duas características específicas do livro seminal de Samuels – atitude pós-junguiana e sua classificação das escolas – com suas recorrentes incursões ao nosso país, Brasil?


Parece-nos que o Brasil foi um dos principais países onde a semente da atitude pós-junguiana pôde germinar e florescer em abundância. Não por acaso. Afinal, o Brasil é uma nação feita de diversidade e mistura, alguns ingredientes básicos da receita pluralista. Em síntese, nossa nação foi formada por colonizadores portugueses que trouxeram escravos africanos para um vasto território povoado por índios. Deste encontro — não isento de exploração e injustiça, é claro — produziu um povo essencialmente mestiço e “antropofágico”, isto é, capaz de absorver produtos estrangeiros, e transformá-los, para depois exportá-los de volta a outros países. Este é o caso, por exemplo, da bossa nova, que sofreu forte influência do jazz, e do futebol, originalmente um esporte britânico. Depois desta pequena digressão voltemos à psicologia.


Há no Brasil duas sociedades oficiais ligadas a International Association for Analytical Psychology (IAAP): a Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica (SBPA) e a Associação Junguiana do Brasil (AJB). Além destes dois grupos oficiais, há uma pluralidade associações não-oficiais e independentes espalhadas em vários estados do país, cada qual estudando, praticando e transmitindo o saber junguiano de modo próprio. Nomeamos alguns destes grupos aqui em parte porque Samuels fez questão de relacionar-se com estas organizações menos formais, composta frequentemente de uma geração mais nova de psicólogos e outros intelectuais. Eis uma breve lista: Himma - Estudos em Psicologia Imaginal, em São Paulo, Sizígia, em Fortaleza, Núcleo de Estudos Junguianos, em Minas Gerais, Rubedo, no Rio de Janeiro, Clínica Psiquê, na Bahia, e Alteritas no Espírito Santo.


No Brasil, esses grupos comprovam a intuição de Samuels de que é possível usar a psicologia analítica de Jung de modo crítico e criativo. Cada grupo reinventa seu próprio “Jung” de acordo com suas preferências, elegendo os textos que mais lhe agradam, valorizando certos aspectos e sendo críticos com outros. Alguns grupos mais assumidamente “pós-junguianos”, outros com mais afinidades com a escola clássica; muitos fortemente influenciados pela psicologia arquetípica de James Hillman, como o Himma. Enfim, deparamo-nos com uma gama variada e plural de atitudes heterogêneas diante de um mesmo nome: Jung. Isto sem falar nos junguianos que, algo heróicos em sua relativa solidão, levam as ideias de Jung para a arena acadêmica nas universidades brasileiras.


É importante, portanto, compreender e ressaltar a fundamental importância que Andrew Samuels tem nesse processo. Em suas inúmeras visitas ao Brasil no decorrer destas últimas duas décadas, emprestou sua imagem e respeitabilidade, seu saber e sua vasta experiência, não apenas às sociedades oficiais de psicologia junguiana do país, mas também a vários outros grupos junguianos não-oficiais ou independentes. Agindo deste modo, Samuels é como um mensageiro, uma espécie de Hermes, que traz e leva mensagens a pessoas e lugares distintos. Errante pelo globo, carrega propostas que inspiram a discussão das ideias junguianas em diversos fora. Assim, pessoal e profissionalmente, ele soma uma dimensão de credibilidade ética ao termo que cunhou. E mais: mantém-se coerente a uma ideia que sempre foi um dos pilares de sua construção teórica: a idéia de pluralidade. Poderíamos concluir que, para Samuels, pensar este corpo teórico denominado psicologia junguiana é pensar em multiplicidade: multiplicidade psíquica, de visões, estilos e modos de trabalhar a psicologia junguiana.



Referências bibliográficas

James, W. (2005). A Pluralistic Universe. Stilwell: Digireads.
—————. (2006) Pragmatism: A New Name for an Old Way of Thinking. West
Valley City: Waking Lion Press.
Jung, C. G. (1988). A prática da psicoterapia. Petrópolis: Vozes.
—————. (1998). Freud e a psicanálise. Petrópolis: Vozes.
Pereira, H. C. (2007). O laboratório analítico: a psicologia de C. G. Jung
examinada pela teoria do ator-rede. Tese de doutorado. Rio de Janeiro: UERJ.
Samuels, A. (1988) Post-Jungians Today: Key Papers in Contemporary Analytical
Psychology. London and New York: Routledge.
Spring: A Journal of Archetype and Culture, 2001, Connecticut.
_________.(1989). Jung e os Pós-Junguianos. Rio de Janeiro: Imago.
—————. (1992) A psique plural: personalidade, moralidade e o pai. Rio de
Janeiro: Imago.
—————. (2001). Politics on the Couch. New York: Karnac Books.
__________ (2002a). A política no divã. São Paulo: Summus.
—————. (2002b). The Hidden Politics of Healing: Foreign Dimensions of
Domestic Practice. http://www.andrewsamuels.com (Accessed 2008).
Shamdasani, S. (2003). Jung and the Making of Modern Psychology: The
Dream of a Science. Cambridge: Cambridge University Press.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Travessias em terras chilenas


V Congreso Latinoamericano de Psicología Junguiana,
EROS Y PODER
O V Congresso latino Americano de Psicologia Junguiana ocorrerá este ano na cidade de Santiago, no Chile, de 4 a 8 de setembro. O tema a ser discutido é "Eros e Poder na prática clínica, na educação e na cultura".
Esta é uma oportunidade ímpar para desenvolver-se um intercâmbio intelectual entre junguianos que vivem e trabalham na América do Sul. Muito do saber teórico produzido em nosso continente ainda se faz desconhecido para a grande maioria dos próprios analistas que dividem essas fronteiras geográficas. Efeito direto desta condição é a posição unilateral em que nos encontramos em relação com o saber junguiano contemporâneo. Somos latino-americanos porém nosso saber tem gosto norte americano e europeu.Neste sentido, este encontro vem cumprir uma função de fundamental importância para a comunidade latino-americana de junguianos, já que cria a possibilidade de conhecermos as múltiplas formas de pensar Jung entre nossos "hermanos".
O Rubicão estará presente no congresso com a apresentação de dois trabalhos:


  • " Eros e Poder na psicologia das relações" - Henrique Pereira

  • " Palavras ou pílulas ou " Pára com isso, menino! : A Hiperatividade entre o código genético e o código do Ser" - Marcus Quintaes

I Congreso Punta del Este – Uruguay - 1998 Identidad Latinoamericana

II Congreso Río de Janeiro - Brasil - 2000 Identidad del Analista
III Congreso Salvador de Bahía – Brasil - 2003 Desafíos de la Práctica: En Pacientes y en el Continente
IV Congreso Punta del Este – Uruguay - 2006 Psicopatología – Psicoterapia - Neurociencia


domingo, 10 de maio de 2009

A potência da improvisação em dança


A psicóloga arquetípica Aline Fiamenghi terá de "atravessar um Rubicão" com local, data e horário marcados.
Aline defenderá sua dissertação de mestrado, A potência da improvisação em dança: uma abordagem arquetípica, dia 14 de maio, as 10h15, na PUC de São Paulo (4º andar - Setor de Pós-Graduação). O Rubicão não só indica, como também estará lá presente: Henrique Pereira será um dos examinadores da banca. Abaixo, um trecho do resumo da dissertação de Aline:


"(...) trata-se de um trabalho sobre o 'fazer-alma' que tem sua base na improvisação em dança. Na perspectiva da psicologia arquetípica, alma é uma possibilidade imginativa, a função de transformar eventos em experiências, a capacidade de reconher todas as realidades como primariamente simbólicas ou metafóricas. Não tentamos 'psicologizar' a experiência da dança, nem explicá-la, mas partimos dança por se algo que toca. Por ela vemos a possibilidade de metaforizar, pois entendemos que improvisar em dança é imaginar com corpo."

Um Festschrift para Andrew Samuels


No mundo acadêmico, um "Festschrift" é um livro homenageando um acadêmico respeitado. O termo, emprestado do alemão, poderia ser traduzido como uma "publicação de celebração".
Um Festschrift contém contribuições originais oferecidas ao homenageado por seus mais próximos colegas acadêmicos, geralmente incluindo seus passados estudantes como também seus colegas de profissão. Pode variar desde um volume pequeno até uma obra de vários volumes.
Não há um aniversario pré-determinado para um Festschrift, no entanto são publicados geralmente em um sexagésimo aniversario acadêmico. No caso de acadêmicos muito proeminentes, varios Festschrift podem ser preparados. Na Alemanha é uma honra ser designado para preparar tal coleção e ser selecionado por um acadêmico proeminente para editar um Festschrift pode simbolizar a passagem proverbial da tocha. Já que não existe uma tradução inglesa para tal livro, a palavra alemã Festschrift é amplamente utilizada internacionalmente. Os Festschrift são geralmente intitulados como "Ensaios em honra de ... " ou "Ensaios apresentados para ...".

É com grande satisfação que anunciamos o livro Sacral Revolutions – A Festschrift for Andrew Samuels a ser lançado pela Editora Routledge no fim deste ano.
Andrew Samuels é um dos mais influentes e proeminentes pensadores junguianos na contemporaneidade. Há várias décadas ocupa um lugar de destaque e referência dentro do campo teórico e clínico na comunidade junguiana. Autor de uma vasta obra (incluindo o clássico livro Jung e os pós-junguianos) — a maioria dos títulos traduzidos para o português —, Andrew Samuels também é um assíduo visitante às terras brasileiras participando ao longo das últimas duas décadas de vários congressos, seminários e palestras organizados por grupos junguianos oficiais e independentes.

É com grande orgulho que nós do Rubicão aceitamos o convite para contribuir com o livro, escrevendo um de seus capítulos (Post-Jungians and In Praise of Multiplicity). Assim, prestamos nossa homenagem a este importante pensador e amigo junguiano: Andrew Samuels.


Sacral Revolutions
A Festschrift for Andrew Samuels


With a hitherto unpublished Interview with C.G. Jung
Edited by Gottfried Heuer
Routledge
Taylor & Francis Group
London and New York

Table of Contents

A Plural Bouquet for a Birthday Celebration in Print. Introduction. Gottfried Heuer.
"I Hope that We Might Find a Way." A Birthday Interview with Carl Gustav Jung and
C.G. Jung in his 80th Year. Ingaret Giffard
The Sable Venus on the Middle Passage: Images of the Transatlantic
Slave Trade. Michael Vannoy Adams

Repetition and Repair: Commentary on the Film "Love and Diane"
by Jennifer Dworkin. Neil Altman

Women's Aggressive Energies, Agency and Psychological Change. Sue Austin

Faintclews and Indirections; Jung and Biography. Deirdre Bair

The Integrity of the Supervisor and the Sins of Psychotherapy
Supervision. John Beebe

Mutual Injury and Mutual Acknowledgement Jessica Benjamin

Violence in the Family: Challenges to the Fantasy of Shelter and
Protection. Paula Pantoja Boechat

The Dream in Psychosomatic Patients Walter Boechat

How They See Us Now. Joe Cambray

Night Terrors: A Titanic Experience Considered from Science, Art
and Psychology. Linda Carter

The Embodied Counter-Transference and Recycling the Mad Matter
of Symbolic Equivalence. Giles Clark

Physis - Archetype of Nature's Soul. Petruska Clarkson with
John Nuttall
Muriel Dimen Interviewed by Andrew Samuels. Muriel Dimen and
Andrew Samuels
Between Life and Death: Weaving the Remaining Spaces in the
Tapestry of Life. Moira Duckworth

What's Missing? Death and the Double. Christopher Hauke

On Transformation: The Art and the Science of Forgiveness. Birgit Heuer

The Gospel of Judas: An Emerging Potential for World Peace? Gottfried Heuer

Community, Communitas, and Group Process seminars in Analytic
Training. Jean Kirsch

Jung and the World of the Fathers. Thomas Kirsch

Citizenship and Subjectivity. Lynne Layton

Jung as a Modern Esotericist. Roderick Main

The Last Desire: A Clinical Experience of Working with a Dying
Man. Konoyu Nakamura

Unpicking. Susie Orbach

Extending Jungian Psychology. Working with Survivors of
Political Upheavals. Renos Papadopoulos

Critical Looks. The Psychodynamics of Body Hatred. Roszika Parker

Where is Paradise? The Mapping of a Myth. Fred Plaut

Post-Jungians and In Praise of Multiplicity. Marcus Quintaes and
Henrique Pereira

Andrew Samuels' Contributions to Analytical Psychology in Brazil. Denise Gimenez Ramos
Andrew and Me and the AHP. John Rowan

Writing after Andrew Samuels: Political Forms and Literary
Symbols in Shakespeare's Macbeth. Susan Rowland

Playing the Race Card: A Cultural Complex in Action. Thomas Singer

The Interface between Jung and Humanistic Psychology: a Tribute
to the Influence of Andrew Samuels. Christine Shearman and
Maria Gilbert
In Praise of Wild Analysis. Martin Stanton

City Men, Mobile Phones, and Initial Engagement in the
Therapeutic Process. Martin Stone

Extraversion, with Soul. David Tacey

The Actual Clash': Analytic Arguments and the Plural Psyche. Nick Totton

Politics and Hypocrisy. Liliana Liviano Wahba

A Thank-you Note to Andrew Samuels. Polly Young-Eisendrath

For Andrew Samuels on His 60th Birthday. Luigi Zoja





sexta-feira, 1 de maio de 2009

Rubicão, Política, Ética e Psique




EM TEMPOS de cinismo despudorado, privilégios escandalosos e bate-bocas destemperados em nosso cenário político, o Rubicão visa trazer as ideias de Jung para o centro de debate intelectual contemporâneo. Para Jung, é impossível dissociar sujeito e cultura, onde as manifestações ocorridas em um sempre se desdobrarão no outro. Assim, acreditamos que é hora tanto do indivíduo como da sociedade brasileira atravessar o Rubicão, isto é, fazer este movimento que inaugura um novo tempo nas relações entre indivíduo, ética e sociedade.

É necessário que cada um de nós possa ter a coragem ética de realizar a travessia do seu Rubicão particular. Nossa proposta é provocar um despertar tanto subjetivo quanto político nos pacientes-cidadãos e, nesse sentido, seguimos a orientação de Jung:

"Quem passa o Rubicão não pode voltar atrás"

Baseado na psicologia junguiana e pós-junguiana, consideramos que a psicoterapia localiza sintomas quase exclusivamente no paciente, negligenciando outras disfunções que se manifestam no mundo. O fato é que muitos sintomas patológicos experenciados pelos pacientes são patologias pertencentes ao “corpo político”, e não somente ao indivíduo. Quando se visa, simplesmente, ajudar ao paciente a “lidar com um problema”, sem ao menos questionar o mundo ou a sociedade em que este problema se localiza, isto é, sem considerar que a própria sociedade pode também ser patológica, logo contribuindo para a patologia do indivíduo, a psicologia se equivoca de sua função e falha em seus objetivos. Alguns psicólogos falam de cura no sentido de “totalidade" , mas será esta alcançável para o indivíduo separado do “corpo político” do qual faz parte?

Em nossa visão, nas psicoterapias, as emoções que nos relacionam com o mundo são forçosamente internalizadas. A raiva legítima despertada pelo que ocorre no mundo (o desemprego, a fome, recessão, pobreza, violência) é tratada , simplesmente, como se fosse uma manifestação de um estado interior. Nós tratamos a raiva como uma condição interna, quando, na verdade, ela se inicia como uma indignação. A terapia promove, então, a introversão das emoções. Ao recolher a emoção e ao trabalhá-la internamente, você está se omitindo psicologicamente de trabalhar sobre aquilo que o está incomodando: seja a violência, a pobreza ou o fracasso político

Uma das formas de atravessar o Rubicão é começar a considerar que nossos sintomas e nossas enfermidades, talvez, não se originem apenas nos nossos romances familiares localizados em nossas infâncias, mas que eles também podem se dar em virtude de nossas relações com nossos empregos, com o sistema educacional que fomos submetidos, ao sistema político-financeiro e à corrupção estatal em que vivemos, ao bombardeio incessante da mídia sobre nós, a desenfreada violência que nos acomete na nossa cidade, a desilusão com nossos governantes, e muito mais.

A psicoterapia terá, então, como uma de suas funções provocar a existência do que se denominou “um cidadão político psicológico”, ou seja, aquele que deslocaria sua atenção voltada, anteriormente, apenas para o si-mesmo, para alimentar o retorno da alma ao mundo. A psicoterapia se engajaria tanto em falar sobre coisas e lugares que afetam nossos humores e reações, quanto em outras pessoas. Caberia também a psicoterapia , refletir sobre assuntos de julgamento estético, que é de importância fundamental no papel do cidadão psicológico. Ao senso estético , adiciona-se o senso político pois existe uma função política para a psicoterapia que consiste em trabalhar a agitação patológica existente no corpo político da sociedade e do mundo. Isto significa, concretamente, em aumentar a consciência sobre o que está acontecendo ao nosso redor e ao não encorajamento à adaptação social ao que está estabelecido. Não é apenas em nós ou em nossas famílias que existem patologias, a civilização como um todo também é patológica e a tarefa "revolucionária" e terapêutica não é dizer para o invidivíduo como lutar ou onde lutar, mas despertá-lo para a conscientização da patologia existente no mundo exterior.

Ao nos perguntarmos quais são os sintomas contemporâneos de nosso tempo, teremos de olhar à nossa volta e percebê-los no meio ambiente, na política, no sistema financeiro, na educação, na medicina, nos negócios, na arquitetura, nas cidades e em cada múltiplo aspecto de nossa cultura. A psicoterapia tem se concentrado em localizar estes sintomas somente no interior das pessoas e não tem reconhecido estes mesmos sintomas como manifestações do exterior na alma do mundo.
Poderíamos dizer que a prática psicológica deve declarar afirmativamente uma preocupação intensa com a alma do mundo pode e deve, ainda, existir lado a lado com uma preocupação com a alma do indivíduo. Fieis à herança alquímica e neoplatônica, devemos nos lembrar de Plotino que disse que “a alma do mundo e a alma individual são feitas da mesma coisa”. E de Sendivogius, o alquimista, ao dizer que “a maior parte da alma se encontra fora do corpo”.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Afrodite nos textos de James Hillman




O Rubicão: Travessias Junguianas convida para a palestra:

"Da Loucura pornográfica à Justiça do Belo: A presença de Afrodite nos textos de James Hillman"

Se há uma presença imaginativa que inspira e se faz presente com sua retórica e beleza na obra de James Hillman esta é a Deusa Afrodite. Em vários textos ao longo de sua vasta obra, do clássico texto O pensamento do coração à Loucura Rosa: Por que Afrodite enlouquece os homens com a pornografia?, culminando com a mais recente publicação de Hillman, A Justiça de Afrodite, a presença deste princípio imaginativo é referido por Hillman como fundamental a ser resgatado por uma psicologia que privilegie a alma.
A palestra visa refazer a trajetória desta relação de intimidade e criação entre Hillman e Afrodite.

Palestrante:

Marcus Quintaes

Psicanalista Junguiano
Fundador do Rubicão: Travessias Junguianas
Membro do grupo Himma: Estudos em Psicologia Imaginal
Membro da International Association for Jungian Studies

Data: 14 de Maio
Local: Escola de Artes Visuais do Parque Lage - Rio de Janeiro
Horário: 20 hs
Informações: travessiadorubicao@gmail.com

quarta-feira, 15 de abril de 2009

James Hillman e o Rubicão


O analista junguiano James Hillman é uma das mais importantes influências teóricas no trabalho e produção de saber do projeto Rubicão: Travessias Junguianas.

Hillman é, sem dúvida, um dos que "atravessaram o Rubicão" no campo junguiano ao levar o pensamento e as ideias de Jung para além dos caminhos previsíveis e preestabelecidos. Ao polemizar, rever, instigar, desdobrar e reimaginar as ideias da psicologia analítica, Hillman e a Psicologia Arquetípica contribuiram para elevar o nível da discussão teórica neste campo e ampliar os territórios do exercício do pensamento junguiano.

Noções como soul-making, alma, politeísmo psicológico, beleza, justiça, estética, caráter, daimon e o patologizar, entre outras, estão definitivamente incorporadas ao vocabulário junguiano.

Para aqueles que desejam conhecer os diferentes momentos da obra deste vigoroso pensador, indicamos o texto "Hillman revendo Hillman" (disponível no endereço: http://www.jungianstudies.org/publications/papers/quintaesm3.pdf) escrito por Marcus Quintaes e publicado no livro Archetypal Psychologies: Reflections in Honour of James Hillman.

terça-feira, 31 de março de 2009

Por que Rubicão?

Rubicão é o nome do riacho que fazia fronteira entre Roma e Gália cisalpina. Era proibido aos generais de Roma penetrar o território romano comandando tropas sem autorização. Ao atravessar o Rubicão com suas legiões, em 49 a.C., Júlio César infringiu a Lei. Tornou-se um criminoso. Sem voltar atrás, César iniciou uma guerra civil da qual saiu-se vencedor. O pequeno gesto de cruzar um inocente córrego foi, ao mesmo tempo, uma escolha que transformaria sua vida — e a do mundo ocidental — para sempre. Como metáfora, a travessia do Rubicão nos faz pensar o valor de cada decisão que tomamos a cada hora, a cada minuto. Atravessar o Rubicão implica um gesto inaugural que demarca um antes e depois do ato decidido, fundando um novo tempo. Nesse sentido, viver é fazer escolhas. Entretanto, quem ou o quê escolhe em nós?

Curso de Extensão "Jung e os Pós-Junguianos" organizado pelo Rubicão


A psicologia analítica desenvolvida por C. G. Jung é uma teoria psicológica de grande valor, capaz de fornecer subsídios conceituais para a reflexão e investigação de vários fenômenos da vida contemporânea.


As ideias de Jung , assim como as revisões e os desdobramentos realizados pelos autores pós-junguianos, percorrem uma variedade de temas que hoje se mostram extremamente relevantes, tais como: a função criativa do inconsciente, o sonho como fator de auto-regulação da psique, a busca da diferenciação entre o conceito e os fenômenos da imagem e do símbolo, o exame das construções psicológicas que caracterizam as diferentes sociedades (os complexos culturais), a indissociabilidade entre natureza psíquica e cultura, os arquétipos como esquemas psíquicos formadores de subjetividades, o resgate da função da contratransferência na clínica das neuroses e a imaginação como faculdade primária da atividade psíquica.


Com o objetivo de afirmar a originalidade, potência e atualidade do pensamento de Jung oferecemos este curso de extensão em Jung e os Pós-Junguianos. Sem sectarismo, acreditamos que não somente é posível, mas necessário estimular o debate entre as ideias de Jung (e dos autores pós-junguianos) e os demais saberes contemporâneos como as ciências humanas, a psicanálise, a filosofia e as ciências naturais.
Nova turma: Agosto de 2009 -
Informações: travessiadorubicao@gmail.com


Módulos:

1 - Fundamentos da Psicologia Analítica de C.G.Jung
2 - James Hillman e a Psicologia Arquetípica
3 - A Escola Desenvolvimentista de Londres
4 - O Pensamento Pós-Junguiano hoje

segunda-feira, 30 de março de 2009

Eventos organizados pelo Rubicão





Mitologia da vida quotidiana (2008)
Jung e o cinema (2008)
Jung e a interpretação dos sonhos (2009)
Curso de extensão em Jung e os pós-junguianos (2009)