sexta-feira, 1 de maio de 2009

Rubicão, Política, Ética e Psique




EM TEMPOS de cinismo despudorado, privilégios escandalosos e bate-bocas destemperados em nosso cenário político, o Rubicão visa trazer as ideias de Jung para o centro de debate intelectual contemporâneo. Para Jung, é impossível dissociar sujeito e cultura, onde as manifestações ocorridas em um sempre se desdobrarão no outro. Assim, acreditamos que é hora tanto do indivíduo como da sociedade brasileira atravessar o Rubicão, isto é, fazer este movimento que inaugura um novo tempo nas relações entre indivíduo, ética e sociedade.

É necessário que cada um de nós possa ter a coragem ética de realizar a travessia do seu Rubicão particular. Nossa proposta é provocar um despertar tanto subjetivo quanto político nos pacientes-cidadãos e, nesse sentido, seguimos a orientação de Jung:

"Quem passa o Rubicão não pode voltar atrás"

Baseado na psicologia junguiana e pós-junguiana, consideramos que a psicoterapia localiza sintomas quase exclusivamente no paciente, negligenciando outras disfunções que se manifestam no mundo. O fato é que muitos sintomas patológicos experenciados pelos pacientes são patologias pertencentes ao “corpo político”, e não somente ao indivíduo. Quando se visa, simplesmente, ajudar ao paciente a “lidar com um problema”, sem ao menos questionar o mundo ou a sociedade em que este problema se localiza, isto é, sem considerar que a própria sociedade pode também ser patológica, logo contribuindo para a patologia do indivíduo, a psicologia se equivoca de sua função e falha em seus objetivos. Alguns psicólogos falam de cura no sentido de “totalidade" , mas será esta alcançável para o indivíduo separado do “corpo político” do qual faz parte?

Em nossa visão, nas psicoterapias, as emoções que nos relacionam com o mundo são forçosamente internalizadas. A raiva legítima despertada pelo que ocorre no mundo (o desemprego, a fome, recessão, pobreza, violência) é tratada , simplesmente, como se fosse uma manifestação de um estado interior. Nós tratamos a raiva como uma condição interna, quando, na verdade, ela se inicia como uma indignação. A terapia promove, então, a introversão das emoções. Ao recolher a emoção e ao trabalhá-la internamente, você está se omitindo psicologicamente de trabalhar sobre aquilo que o está incomodando: seja a violência, a pobreza ou o fracasso político

Uma das formas de atravessar o Rubicão é começar a considerar que nossos sintomas e nossas enfermidades, talvez, não se originem apenas nos nossos romances familiares localizados em nossas infâncias, mas que eles também podem se dar em virtude de nossas relações com nossos empregos, com o sistema educacional que fomos submetidos, ao sistema político-financeiro e à corrupção estatal em que vivemos, ao bombardeio incessante da mídia sobre nós, a desenfreada violência que nos acomete na nossa cidade, a desilusão com nossos governantes, e muito mais.

A psicoterapia terá, então, como uma de suas funções provocar a existência do que se denominou “um cidadão político psicológico”, ou seja, aquele que deslocaria sua atenção voltada, anteriormente, apenas para o si-mesmo, para alimentar o retorno da alma ao mundo. A psicoterapia se engajaria tanto em falar sobre coisas e lugares que afetam nossos humores e reações, quanto em outras pessoas. Caberia também a psicoterapia , refletir sobre assuntos de julgamento estético, que é de importância fundamental no papel do cidadão psicológico. Ao senso estético , adiciona-se o senso político pois existe uma função política para a psicoterapia que consiste em trabalhar a agitação patológica existente no corpo político da sociedade e do mundo. Isto significa, concretamente, em aumentar a consciência sobre o que está acontecendo ao nosso redor e ao não encorajamento à adaptação social ao que está estabelecido. Não é apenas em nós ou em nossas famílias que existem patologias, a civilização como um todo também é patológica e a tarefa "revolucionária" e terapêutica não é dizer para o invidivíduo como lutar ou onde lutar, mas despertá-lo para a conscientização da patologia existente no mundo exterior.

Ao nos perguntarmos quais são os sintomas contemporâneos de nosso tempo, teremos de olhar à nossa volta e percebê-los no meio ambiente, na política, no sistema financeiro, na educação, na medicina, nos negócios, na arquitetura, nas cidades e em cada múltiplo aspecto de nossa cultura. A psicoterapia tem se concentrado em localizar estes sintomas somente no interior das pessoas e não tem reconhecido estes mesmos sintomas como manifestações do exterior na alma do mundo.
Poderíamos dizer que a prática psicológica deve declarar afirmativamente uma preocupação intensa com a alma do mundo pode e deve, ainda, existir lado a lado com uma preocupação com a alma do indivíduo. Fieis à herança alquímica e neoplatônica, devemos nos lembrar de Plotino que disse que “a alma do mundo e a alma individual são feitas da mesma coisa”. E de Sendivogius, o alquimista, ao dizer que “a maior parte da alma se encontra fora do corpo”.

Um comentário:

  1. Mas a prática da psicoterapia, assim como as demais profissões em geral, é também filha de suas circunstâncias, e se deixa enredar pelas tendências contemporâneas de patologização dos sentimentos, pelo discurso do extremo individualismo do capitalismo, pelo "espetaculismo", enfim, justamente pelas patologias às quais deveria estar combatendo, ou, ao menos, questionando...

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