sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Lançamento do livro "Jung e o laboratório da alma: a psicologia analítica examinada pela teoria do ator-rede"



Queridos amigos, colegas e desconhecidos,

Estou lançando meu primeiro livro individual. Espero todos vocês no lançamento, dia 11 de dezembro!
Segue abaixo a introdução do livro, para vocês poderem ter uma melhor ideia do que se trata.


JUNG E O LABORATÓRIO DA ALMA:
A PSICOLOGIA ANALÍTICA EXAMINADA PELA TEORIA DO ATOR-REDE

INTRODUÇÃO [sem as notas de rodapé]


O psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875-1961) é o fundador da psicologia analítica, uma das principais correntes da psicologia e psicoterapia do século XX. Suas concepções sobre a psique são o produto de mais de 50 anos de observação clínica de pacientes, do exame de sua própria vida anímica e de vasta pesquisa bibliográfica. Movido por um forte espírito interdisciplinar, buscou inspiração na filosofia, etnologia (ciências sociais), biologia, mitologia, religião, alquimia e física. O resultado deste esforço prático e intelectual está consolidado em uma extensa obra escrita, que compreende cerca de 30 volumes entre livros, seminários e cartas.

Jung iniciou sua carreira profissional em 1900 como psiquiatra assistente no Hospital Psiquiátrico Burghölzli, em Zurique, então dirigido por Eugen Bleuler. No período de cerca de 10 anos em que trabalhou na instituição, desempenhou um papel fundamental na concepção do moderno conceito de esquizofrenia, colaborando para a formulação de uma etiologia psíquica da psicose. Mas o que de fato lhe rendeu fama internacional no campo da psiquiatria, já naquela época, foram seus experimentos com associação de palavras e sua teoria dos complexos. Nestes primeiros anos de exercício da psiquiatria, Jung travou contato profissional com importantes nomes no tratamento de doenças mentais, além de Bleuler, que influenciaram sobremaneira sua pesquisa psicológica nos anos posteriores, como o psiquiatra francês Pierre Janet, o psicólogo suíço Théodore Flournoy e o psicanalista vienense Sigmund Freud.

Em 1906, Jung escreve a Freud dando início tanto a uma colaboração profissional quanto a uma amizade pessoal, que se estenderam durante os seis anos seguintes, aproximadamente. Neste período de adesão às ideias freudianas, Jung ajudou a fazer da psicanálise um movimento de alcance internacional. Exerceu então as funções de presidente da Associação Psicanalítica Internacional e de editor do primeiro periódico psicanalítico. Ajudou a organizar os primeiros congressos internacionais de psicanálise. Sugeriu ainda a exigência da análise didática para futuros analistas, procedimento até hoje básico na formação dos psicoterapeutas, sejam freudianos ou junguianos (Shamdasani, 2003).

Divergências pessoais e teóricas fizeram Jung afastar-se de Freud e da psicanálise (ou seria o caso de dizer que Freud e a psicanálise se afastaram de Jung?). Este afastamento significou, ao mesmo tempo, o aprofundamento da pesquisa de outros saberes – filosóficos, biológicos, etnológicos etc. – que, em conjunto, contribuíram para a elaboração de uma teoria psicológica e prática psicoterapêutica próprias, que Jung denominou “psicologia analítica”.

No período que vai de 1914 até 1920, lançou as bases teóricas de sua psicologia por intermédio de concepções como as de símbolo, imaginação ativa, função prospectiva do inconsciente, inconsciente coletivo, arquétipo, processo de individuação, função transcendente, realidade psíquica e tipos psicológicos. Nestes anos ocorreu, ainda, o nascimento do Clube Psicológico, local de debate das ideias nascentes da psicologia analítica. O Clube foi a semente do que mais tarde, em 1948, veio a ser o Instituto C. G. Jung, até hoje o principal centro mundial de formação de analistas junguianos.

A saída definitiva do Burghölzli, em 1910, implicou uma mudança significativa no perfil da clientela de Jung. Como o hospital psiquiátrico era uma instituição pública, boa parte de seus pacientes era proveniente das classes mais baixas. Clinicamente, havia grande quantidade de pacientes psicóticos ou sofrendo de transtornos mentais similarmente graves. No seu consultório privado, diferentemente, Jung passou a atender apenas pacientes neuróticos (salvo raras exceções), em sua maioria pessoas bem educadas, das classes média e alta, bem adaptadas do ponto de vista social (Bair, 2003). Nomes ilustres como o escritor Hermann Hesse, o físico Wolfgang Pauli e o psicólogo HenryMurray foram seus pacientes particulares.

A partir de 1929, Jung passou a investigar o simbolismo alquímico e religioso como fenômeno psíquico, procurando traçar paralelos entre o material proveniente destas áreas e as experiências observadas em seus pacientes. Seus interesses, sempre variegados, fizeram-no levar suas reflexões psicológicas para além do setting analítico e discutir problemas contemporâneos como o nazismo, a massificação do homem moderno e a crença em discos voadores. Jung (1981) buscou ainda aproximar a pesquisa dos processos inconscientes das formulações da física contemporânea.

Jung faleceu em 1961, aos 86 anos. Após quase 50 anos transcorridos desde sua morte, qual a sua contribuição para a cultura contemporânea, em particular para a psicologia? Que ele tem a ainda a oferecer-nos? Dito de outro modo, qual a sua herança?

HERANÇA E HERESIA

Pode-se pensar a herança de Jung de diversas maneiras. Poderíamos invocar, primeiramente, sua contribuição teórica:

Ψ a noção de psique como um fenômeno sui generis;

Ψ a teoria dos complexos como indicador de um psiquismo irredutivelmente multifacetado;

Ψ a teoria dos arquétipos e do inconsciente coletivo como tentativa de articular biologia, etnologia e psicologia, o arcaico e o moderno, o individual e o “coletivo”;

Ψ o conceito de individuação como meio de descrever a personalidade em termos de uma tendência à diferenciação;

Ψ a teoria dos tipos psicológicos, que deu ensejo à formulação de inventários contemporâneos de personalidade; e

Ψ a psicologia do inconsciente como instrumento de estudo da psicologia da religião.

Mas poderíamos igualmente considerar, como principal legado, seus aportes para a prática clínica:

Ψ a transformação do experimento de associação de palavras de Galton e Wundt no primeiro teste projetivo em psicologia;

Ψ a sugestão de que o analista deve ser ele próprio analisado;

Ψ a atenção para com o aspecto prospectivo da experiência psíquica;

Ψ a criação do método da imaginação ativa no trabalho com as imagens psíquicas; e

Ψ o método dialético como o procedimento fundamental na relação entre analista e paciente.

Entretanto, acredito que a contribuição maior de Jung para a cultura e psicologia contemporâneas não resida exatamente em nenhum destes tópicos. Seu legado teria mais a ver com uma espécie de atitude ou modo de ação do que propriamente com o conteúdo ou ato em si. Como bem observou James Hillman – certamente o nome mais importante surgido no universo da psicologia analítica depois de seu fundador – Jung parecia ter “o olhar para idéias heréticas, radicais” (Hillman, 1988, p. 9). Com efeito, desde o começo de sua atividade profissional, o interesse pelo lado estranho, anômalo, excepcional da psique se fazia presente.

Um primeiro exemplo: em vez de seguir a pesquisa do funcionamento das associações de palavras, nos moldes de Wundt, Kraepelin e Aschaffenburg, Jung se interessou exatamente em saber como, quando e por que as associações não funcionavam, ou seja, falhavam (ver Capítulo 2). Isto o conduziu à formulação da teoria dos complexos, que descreve a psique como constituída de agrupamentos ideo-afetivos semi-autônomos. Em virtude de sua “intencionalidade”, os complexos podem ser comparados a espíritos, daimones e divindades.

Para Jung, o homem moderno, ao menosprezar tais fatores como “nada mais que” atividade psíquica – mesmo quando, na forma de uma neurose ou psicose, destroem sua vida –, coloca-se em desvantagem em relação ao “primitivo”, que sabe reconhecer a potência desses fatores quando os denomina “deuses” ou “espíritos” e com eles tenta haver-se.

Nota-se a atitude herética, controversa, subversiva de Jung no seu entusiasmo por outro subversivo da história da psicologia, Sigmund Freud. O psiquiatra suíço foi um dos raros leitores da primeira edição de A interpretação dos sonhos, datada de 1900 – o livro de Freud vendeu apenas 351 cópias nos primeiros seis anos de publicação. Jung escolheu tomar o partido de Freud quando este não era ainda a figura notável no campo da psicopatologia, que veio a tornar-se. Diferentemente de si mesmo e de Bleuler, que gozavam de reputação internacional no círculo psiquiátrico em meados da primeira década do século XX (Kerr, 1997), Freud e sua psicanálise causavam profunda desconfiança entre seus pares.

Posteriormente, em 1912, quando Jung já não podia desconsiderar suas divergências em relação a Freud – o rompimento “oficial” dos dois era apenas uma questão de tempo – foi por meio das palavras de outro “herege”, o filósofo Friedrich Nietzsche, que se pronunciou. Na carta de três de março daquele ano, citando o Zaratustra, anotou: “Paga-se mal a um professor se se permanece apenas um aluno” (Jung citado por McGuire, 1993, p. 496). Ao término da citação, concluiu: “Foi isso que o senhor me ensinou através da ΨA [psicanálise]” (p. 497).

A heresia de Jung se mostrou também presente na eleição de temáticas estranhas à ortodoxia científica, como a mitologia, o gnosticismo e mais tarde a alquimia, que considerou a antecessora histórica da psicologia do inconsciente. Ao fazer a aproximação entre psicologia analítica e alquimia, um saber considerado pela comunidade científica como inteiramente ultrapassado, Jung estava sem dúvida arriscando a credibilidade como psiquiatra e cientista, mesmo que sua comparação se restringisse tão-somente à esfera psicológica. Escreveu ainda sobre I-Ching, Zen-Budismo e parapsicologia antes de esses assuntos se tornarem bens de consumo pelo insosso mercado da New Age. E mesmo quando abordava um tema contemporâneo, como o fenômeno do nazismo nos 1930 e 1940, seu olhar era no mínimo “singular”. Percebeu na ascensão do nacional-socialismo a presença mítica do furioso Wotan, o velho deus germânico da tormenta. Descreveu os alemães da época como “possuídos” por esse deus. Traduzida em linguagem psicológica, tal possessão significaria a identificação da consciência subjetiva com um fator psíquico irracional, um arquétipo (ver Capítulos 2 e 3).

Outra matéria em que Jung foi mais uma vez “escandaloso” e “iconoclasta” foi a religião cristã. E aparentemente desde muito cedo. Filho de pai pastor, o menino Carl Gustav foi criado, no final do século XIX, em uma atmosfera marcada pela religiosidade protestante, o que não o impediu, entretanto, de viver experiências psíquicas perturbadoras e demasiado estranhas à mentalidade cristã. A primeira delas foi um sonho de quando tinha três ou quatro anos de idade. Sonhou que se achava em um campina; notou que havia uma cova no chão e, curioso, decidiu explorá-la. Dentro, deparou-se com um trono sobre o qual se erguia uma figura grande como uma árvore, feito de pele e carne viva. Sua parte superior era cônica e arredonda. Não tinha rosto, salvo um único olho que, imóvel, fitava o sonhador. Ouviu então a voz de sua mãe dizendo para olhar bem para a criatura porque se tratava do “devorador de homens”. Aterrorizado, despertou. O pavor gerado pelo sonho foi tão forte que por vários dias não queria dormir, temendo a repetição do pesadelo. Mais tarde veio a reconhecer na “forma estranha”, monstruosa, sobre o trono um “falo ritualístico” (Jung, 1985a).

A segunda experiência de Jung reveladora de uma espécie de atitude iconoclasta face ao cristianismo foi uma visão que lhe arrebatou a alma quando tinha então 12 anos. Diante de seus olhos “viu” a bela catedral de sua cidade sob o céu azul. Muito acima, no alto, estava Deus instalado em seu trono de ouro. Segundo suas próprias palavras, “debaixo do trono, um enorme excremento cai sobre o teto novo e colorido da igreja; este se despedaça e os muros desabam” (Jung, 1985a, p. 47).

Muitos anos depois – década de 1930 em diante – quando já era um profissional renomado, Jung transformou sua inquietação juvenil com o cristianismo em madura reflexão psicológica. Apontou uma grave lacuna no símbolo maior do cristianismo, isto é, o símbolo do Cristo. Tratar-se ia de uma imagem inadequada para descrever a totalidade paradoxal da experiência humana (o si-mesmo) porque, identificada exclusivamente com o Bem ou a luz, não reconhece em si sua contraparte inseparável, o Mal, a escuridão do ser. Por sua vez, a figura do homem sem este lado sombrio “carece de corpo e humanidade” (Jung, 1978a, p. 42).

Para Jung, a doutrina cristã da privatio boni (ausência do bem), que buscou reduzir o mal a uma simples “falta acidental de perfeição”, não possuindo desse modo substância enquanto tal, em nada corresponde à realidade ao nível da psicologia empírica, onde o mal é “substancialmente” deletério.

Em 1953, no texto Resposta a Jó, Jung (1988b) foi além em sua análise herética do cristianismo. Descreveu Javé (ou Yaweh) como tendo sido terrivelmente injusto com Jó, ao projetar Sua sombra, isto é, Seu “mal”, sobre o pobre mortal. Nesse sentido, o advento de Cristo foi o modo que Javé encontrou para redimir-se da iniquidade cometida com Jó, sofrendo Ele próprio na carne tal como um homem. Assim, Jung está nos dizendo que o homem salvou Deus e não o contrário. Com esta interpretação “herética”, deslocou o maior sujeito/tema da cultura ocidental (Hillman, 1988). O livro causou enorme mal estar entre os teólogos. Em sua carta de resposta ao padre Victor White, que havia feito uma resenha duríssima do texto – e principalmente de seu autor –, Jung anotou: “Acho que sou um herege” (2002, p. 148). Mais adiante, concluiu: “Decididamente não estou do lado do vencedor, mas sou muito impopular tanto na esquerda quando na direita. Não sei se mereço ser incluído em suas orações” (p. 148).

Heresia, subversão e deslocamento do habitual como o principal legado de Jung? Não entendo a atitude “herética” junguiana como um libelo a favor da ação “revolucionária” ou algo semelhante, mas, antes, como metáfora sugestiva da importância do risco para poder-se produzir diferenças, criar novidade. Mas será que todos os que se dizem seguidores da psicologia analítica pensam assim? Ora, a herança, qualquer que seja, não existe por si só. É preciso práticas reiteradas para sustentá-la e prolongá-la, sem as quais ela simplesmente não existiria. Como mostrou a psicóloga belga Vincienne Despret (2001), nossas práticas efetuam nossa herança; são o seu vetor. Isto transforma a herança em um problema e não mais em solução. Paradoxalmente, uma herança se torna algo que ao mesmo tempo se recebe e se constrói. Quer dizer, somos efeito e agentes construtores de nossa própria tradição. Pensando desse modo, podemos indagar o que os junguianos têm feito com sua herança? Qual a sua atitude em face da tradição que receberam? Para responder esta questão convém primeiro diferenciar “visão de mundo” e “versão de mundo”.

“SUBVERTENDO” JUNG

Podemos definir teorias e práticas em termos de visões ou versões de mundo (Despret, 2001). Quando julgamos nossas concepções e ações de modo adversativo como verdadeiras ou falsas e consequentemente eliminamos a possibilidade de convivência entre diferentes e múltiplos saberes, estamos adotando uma visão de mundo. Assim como uma estrada percorrida repetidas vezes, uma visão de mundo produz em nós o sentimento de segurança, a fantasia de estar em um território protegido e resguardado. Ocorre, porém, que toda esta proteção tem um preço: sem correr riscos, as teorias e as práticas se tornam deterministas e unilaterais, não produzindo senão tautologia.

Falar em versões de mundo, diferentemente, significa reconhecer a “coexistência múltipla de saberes, de definições contraditórias e de controvérsias” (Despret, 2001, p. 37). Uma versão implica necessariamente outra versão ou “contraversão”, a qual vem contrapor-se ou modificar. Afirmar a pluralidade de saberes não significa, entretanto, sustentar que se equivalham. Em vez de avaliá-los como verdadeiros ou falsos – como no caso de uma visão – devemos nos perguntar qual versão é mais articulada. Por articulação de uma versão entenda-se a sua capacidade de produzir diferenças e permitir integrar-se com outras versões, prolongando-as e transformando-as. Escolher o caminho desconhecido ou talvez pouco percorrido de uma versão implica risco; risco de gerar versões pouco articuladas, que não produzirão senão redundância e repetição – aproximando-se da noção de visão – e oportunidade de criar-se outras versões mais articuladas que darão ensejo a mais fenômenos existirem e combinarem-se entre si.

Com estas considerações em mente, voltemos à questão levantada anteriormente sobre o modo como os junguianos têm se apropriado de sua herança. Parece-me que muitos fizeram da psicologia de Jung uma visão de mundo. Quer dizer, contentam-se em tomar suas ideias como definitivas e, portanto não querem correr o risco de confrontá-las com outros saberes, fogem da controvérsia como o diabo da cruz. Para estas pessoas basta o que Jung escreveu. Hillman, com um comentário ácido, referiu-se à maioria dos junguianos como “gente de segunda linha com mente de terceira categoria” (1989b, p. 45). Complementou sua avaliação com a seguinte observação: “Eles apenas vivem das ideias de Jung (ou Freud, tanto faz), sem acrescentar nem mesmo uma vírgula por si mesmos. Isto é uma traição gigantesca, uma desonestidade. Você deve pagar por aquilo que ganha de uma escola levando suas idéias adiante” (Hillman, 1989b,p. 45).

Este “levar adiante as ideias de sua escola” significa, primeiramente, conforme Hillman, questionar, duvidar de nossos pressupostos, “permitir-se ser desafiado, arriscar-se em público” (1989b, p. 45). Segundo outro psicólogo analítico, Michael Vannoy Adams (2004), a fraca presença de junguianos na universidade, em escala mundial, teria a ver, precisamente, com esta atitude de não “permitir-se ser desafiado” pelo confronto com ideias diferentes. Adams descreve esse fenômeno em termos de um “isolamento defensivo” dos junguianos.

O próprio Jung, aliás, temia tornar-se doutrina, objeto de culto de seguidores acríticos. Em 1946, explanou seu anseio quanto a isto: “Só espero e desejo que ninguém se torne junguiano. Eu não represento nenhuma doutrina, mas descrevo fatos e apresento certos pontos de vista que julgo merecedores de discussão” (Jung, 2002, p.9).

Entretanto, se nos fiarmos nas observações de Hillman, parece que, infelizmente, o desejo de Jung não se realizou.

Não obstante, para mim, assim como para tantos outros “pós-junguianos” além de Hillman e Adams, as ideias de Jung (como de qualquer outro autor, diga-se de passagem) são tudo menos definitivas e inquestionáveis. Tal como Andrew Samuels, Jean Knox, Wolfgang Giegerich, Christopher Hauke, Paul Kugler e outros, encaro a psicologia de Jung como uma tradição a ser transformada, até para que possa enfrentar as questões do mundo contemporâneo. Penso esta psicologia como uma versão que, de acordo com a herança herética de seu criador, deve ser precisamente posta em risco, deslocada de seu sentido habitual, subvertida e controvertida. Na prática, tal “subversão” ou “controvérsia” significa simplesmente questionar seus pressupostos e conceitos fundamentais, suas proposições teóricas de base, a partir de outro referencial teórico-metodológico. Este livro se propôs a ser este exercício epistêmico de questionamento e troca.

Para levantar as questões que me ajudaram a reimaginar a tradição da psicologia analítica, adotei como referencial teórico-metodológico a teoria do ator-rede (TAR), também denominada sociologia das associações. Michel Callon, John Law e Bruno Latour são comumente considerados seus fundadores, embora certamente outros nomes possam ser-lhes acrescentados. Contudo, como este livro não trata precipuamente sobre a TAR, mas se limita a empregá-la como referencial analítico, decidi por razões de ordem operacional concentrar-me na obra de Latour, principalmente. Dois “aliados” seus, entretanto, foram fundamentais para o enriquecimento da discussão: o sociólogo e jurista francês Gabriel Tarde, com sua definição do que é o “social”, e o etnopsicanalista franco-egípcio Tobie Nathan, com seu trabalho na área da psicoterapia. Que o leitor não estranhe o emprego de uma teoria sociológica para analisar a psicologia analítica. Como será mostrado no início do Capítulo 1, Jung e a etnologia têm em comum muito mais do que se imagina.

Em linhas gerais, a TAR tem-se afirmado como um saber que rejeita a descrição do mundo “moderna”. Latour (2005b) não se refere à modernidade como um período histórico marcado pela ruptura com um passado. Antes, entende que se trata de um conjunto de práticas que não coincidem com sua teoria. Os modernos teriam teoricamente concebido uma realidade bifurcada em natureza e cultura, sujeito e objeto, indivíduo e sociedade, liberdade e determinismo. Porém, na prática, não era assim que operavam, já que estavam todo o tempo trabalhando com seres híbridos, entidades simultaneamente sociais e naturais. Latour vai então chamar de “não modernos” todos aqueles que partem primeiramente desse lugar central de mistura e indeterminação.

A TAR, como versão não moderna de ciência social, propõe, no lugar dos grandes divisores modernos citados, noções e conceitos como coletivo, ator, rede, fatiche, mediador, vínculo e outros, a fim de descrever os eventos e processos sociais de modo mais próximo da complicação que lhes é inerente (ver Capítulo. 1).

Este livro buscou então examinar onde a psicologia analítica pode ser considerada não moderna, articulando-se com a TAR, e apontar também onde as duas não combinam, como nas ocasiões em que a psicologia analítica reproduz a lógica moderna. Portanto, não se tratou de querer reduzir a psicologia de Jung à TAR. Em vez disso, seria mais adequado pensar o emprego da TAR como uma espécie de reagente químico que, aplicado à substância “psicologia analítica”, promoveu determinadas “reações” que se desejou conhecer. O texto, isto é, o livro, tornou-se desse modo um laboratório de experimentação do pensamento e da imaginação.

Trata-se, vale dizer, de uma abordagem inédita. Com efeito, são raríssimas as referências a Latour nas obras de junguianos. Acredito que, reapropriando-se da herança de Jung por intermédio da TAR, podemos propor-lhe novos problemas, abri-la a novos sentidos. As diferenças, conforme observou Latour (2002b), são alimento para o pensamento. Que versão de psicologia analítica então é esta que desponta depois de efetuada a sua mistura com a sociologia das associações? O leitor benevolente que tire suas próprias conclusões ao cabo do texto.

A PSICOLOGIA ANALÍTICA: PRÉ-MODERNA, MODERNA, PÓS-MODERNA... E NÃO MODERNA!

Convém recordar que, curiosamente, a psicologia analítica foi anteriormente classificada como “pré-moderna”, “moderna” e “pós-moderna”, o que sugere uma complexidade ao nível de suas ideias fundamentais, visto permitirem leituras tão heterogêneas. Vejamos resumidamente o que dizem os defensores destas análises.

Em 1981, o renomado psicanalista francês J.-A. Miller acusou de ser “o movimento junguiano anterior ao discurso da ciência” (Miller, 1999, p. 61). Assim como astrologia, a psicologia de Jung operaria instituindo correspondências entre o micro e o macrocosmo, disse Miller. Segundo Michel Foucault (1976), a episteme pré-moderna do século XVI se caracterizava por uma mescla de razão, magia (cabala, alquimia, astrologia etc.) e erudição textual. O principal traço deste saber era o raciocínio por semelhanças. Em cada coisa – os astros, o Homem, os animais, as plantas, os minerais – era possível identificar uma correspondência ou analogia com outra coisa. O mundo se dobrava sobre si mesmo, como imenso espelho onde umas figuras se projetavam nas outras, num jogo de afinidades e similitudes infinito. Com o advento da ciência moderna, esse mundo de correspondências foi aos poucos se desfazendo, as palavras se separando das coisas. Com estas considerações em vista, Miller parece sugerir que Jung não teria realizado a necessária separação entre palavras e coisas, característica da ciência moderna. Dessa maneira, a crítica está posta, a acusação consumada: o psiquiatra suíço é ultrapassado, anacrônico. Jung é, dir-se-ia, um “pré-moderno”.

Sonu Shamdasani, historiador da psicologia ligado a University College of London, publicou em 2003: Jung and the Making of Modern Psychology, livro fundamental para compreender-se o lugar ocupado por Jung na história da psicologia “moderna”. Shamdasani chama a atenção para a preocupação de Jung com o estado de fragmentação em que se encontrava a psicologia à sua época. Para o psiquiatra suíço, a grande dificuldade de fazer-se da psicologia uma ciência residia justamente no fato de que seu objeto, a psique, coincidia com o sujeito que deveria observá-la. Assim, as diversas teorias psicológicas existentes – inclusive a sua – simplesmente refletiam a subjetividade, a “equação pessoal”, de seus autores. O estado atual da psicologia, escreveu Jung (citado por Shamdasani, 2003) nos anos 1920, “pode ser comparada à posição da ciência natural no século XIII” (p. 89). Como forma de remediar esta situação, acreditava ser necessário criar-se um vocabulário comum, uma quantidade mínima de princípios comuns entre essas diversas teorias para estabelecer-se uma psicologia minimamente geral (ver Capítulo 2).

De modo algum, contudo, Jung pretendia que a psicologia analítica fosse a “Psicologia”, mas uma teoria que pudesse contribuir para esse projeto de uma psicologia geral. E é exatamente aqui que Shamdasani (2003) situa o conceito de inconsciente coletivo (e seus conteúdos, os arquétipos). Tratar-se-ia da tentativa de Jung de estabelecer um nível de universalidade da personalidade subjacente às diferenças individuais. O inconsciente coletivo, ultrapassando as contingências culturais, seria o “natural” psíquico. Sua universalidade é que asseguraria a cientificidade da psicologia. Refletindo de acordo com a abordagem sociológica de Latour, o esforço de Jung em demarcar um inconsciente coletivo natural revelaria um trabalho teórico tipicamente moderno de purificação dos fatos das crenças que os obscurecem. Desse ponto de vista, Jung é um “moderno”.

Finalmente, o analista junguiano inglês Christophe Hauke (2003) nos oferece uma terceira via para situarmos Jung, a pós-modernidade. No seu livro Jung and the Postmodern, de 2000, Hauke identifica o termo “moderno” com o estilo de racionalidade vigente no Ocidente desde o Iluminismo, sobretudo. Estilo que poderia ser resumido como a crença no Progresso, na Verdade e na Razão. Pós-moderno, então, não seria exatamente um período histórico mas, antes, uma posição crítica diante desses valores. A psicologia de Jung, segundo o analista inglês, teria aspectos pós-modernos quando em muitos momentos põe em causa os preceitos estabelecidos da modernidade. Se pensarmos como Latour, o problema do enfoque de Hauke talvez seja o mesmo do de Miller: acreditar que o projeto moderno efetivamente se consumou. Isto é, se de fato “jamais fomos modernos”, que dizer então de uma suposta pré-modernidade ou pós-modernidade?

Moderno, pré-moderno, ou pós-moderno... Jung foi provavelmente um pouco dos três, dependendo do ângulo em que nos situarmos para analisá-lo. Creio, entretanto, que nenhum desses enfoques esgota o debate em torno da psicologia analítica. Cada um ao seu modo, supõe que de fato houve uma “modernidade”, que seu projeto de separar natureza e cultura foi, na prática, em algum momento vitorioso. Por outro lado, pensar a psicologia analítica não modernamente significa enfatizar aquilo que os modernos faziam, mas não admitiam, ou seja, operar com entidades socionaturais, híbridas, vinculadas. Em suma, aqui se está propondo a possibilidade de mais uma versão da psicologia analítica; versão que se deseja, antes de tudo, bem articulada.

O livro está dividido em quatro capítulos:

O Capítulo 1 discute questões como a divisão moderna da realidade em natureza e cultura, os diferentes sentidos para o “social” e a crise da objetividade. Buscou-se descrever as ideias, os conceitos e os princípios metodológicos da TAR, tais como coletivo, proposição, ator-rede, plasma, vínculo etc., que serviram de termo de comparação e análise da psicologia analítica nos demais capítulos. Os escritos de Bruno Latour são aqui a principal fonte de informações, seguidos em menor grau dos trabalhos de Tobie Nathan e Gabriel Tarde. Convém dizer que Nathan, por desenvolver uma prática em psicoterapia, permitiu propor à psicologia clínica de Jung determinadas questões que o enfoque mais estritamente sociológico de Latour e Tarde não possibilitavam.

O Capítulo 2 inicia a apresentação da psicologia analítica de Jung. Trata essencialmente da definição de psique e da descrição de suas agências. Procurou-se aproximar o conceito junguiano de realidade psíquica da noção de mediador de Latour. De modo análogo, tentou-se mostrar a compatibilidade entre as ideias de ator-rede, interação das mônadas e a teoria dos complexos. No que concerne à teoria dos arquétipos, destacou-se o movimento caracteristicamente moderno de Jung no sentido de separar natureza e cultura e, ao mesmo tempo, reatá-las. Buscou-se, ainda, ressaltar uma leitura pragmática dos arquétipos, tornando possível que fossem comparados aos transpavores de Latour.

O Capítulo 3 procurou enfatizar o aspecto relacional dos conteúdos anímicos. A noção junguiana de “relação” permitiu uma comparação promissora com a noção de vínculo de Latour. A “relação” pode ser observada tanto intrapsiquicamente, quando se refere às interações entre os diferentes componentes anímicos, quanto interpsiquicamente como, por exemplo, no encontro analítico entre terapeuta e paciente. Procurou-se ainda mostrar como o método dialético de Jung guarda forte semelhança com certas regras metodológicas da TAR.

O Capítulo 4, o final, focou-se sobre o método da imaginação ativa e o método construtivo de Jung. A imaginação ativa envolve, ao nível psíquico, tarefas semelhantes às descritas por Latour em relação ao “coletivo”. Revela, ainda, a inseparabilidade das esferas natural e social na experiência psíquica de fantasia. O método construtivo, por sua vez, mostra-se, em muitos aspectos, afinado com a influenciologia etnopsicanalítica de Nathan.

Em todo o texto, busquei seguir o “ator” Jung de tão perto quanto possível. Com isto, quero dizer que tentei ser primeiramente descritivo para, só em um segundo momento, propor as comparações com a TAR. Esta ênfase sobre a descrição se traduziu, como era de esperar-se, na preferência por fontes primárias. Não obstante, alguns livros de “comentaristas” foram fundamentais para realização deste trabalho: o fenomenal Jung and the Making of Modern Psychology, de Sonu Shamdasani, Jung and the Postmodern, de Christopher Hauke, e os escritos de James Hillman, em particular Healing Fiction.

O “laboratório da alma” a que o título deste trabalho faz referência tem um duplo aspecto, que convém explicitar. De um lado, trata-se da concepção que Jung fazia de seu trabalho psicoterapêutico, como se procurou mostrar no Capítulo 4. De outro, aponta a função experimental inerente à escrita deste livro ele próprio: isto é, este texto como “laboratório” de ideias ou do pensamento – o texto como “laboratório da alma”.


Henrique Pereira

domingo, 17 de outubro de 2010

Rubicão em Curitiba




Rubicão: Travessias Junguianas estará presente no XVIII Congresso internacional da Associação Junguiana do Brasil cujo tema é "Criação" a ser realizado nos dias 21 a 24 de Outubro.

Marcus Quintaes e Henrique Pereira apresentarão seus trabalhos cujos títulos, respectivamente, são " Por que não se deitar comigo por um tempo?"- O "Ficar com a imagem" em três cenas clínicas da Psicologia arquetípica e Sonhos são quase natureza: contribuições da teoria do ator-rede para a análise onírica.

Abaixo um breve resumo do texto de Marcus Quintaes.


“Por que não se deitar comigo por um tempo?” – O “Ficar com a imagem” em três cenas clínicas da Psicologia Arquetípica


Marcus Quintaes


Curiosa declaração esta – “ficar com a imagem” – quase irônica, diríamos, pois basta tentar colocá-la em uso para que se revele o quão difícil é permanecer fiel à sua intenção, ou seja, o quanto somos conduzidos de diferentes maneiras a nos afastar do âmago da experiência que a proposta da Psicologia Arquetípica nos apresenta. A realidade da clínica nos confirma essa declaração, embora não inteiramente. Apesar disso, ela é definitivamente real.
Mas afinal, o que significa essa enigmática expressão, muito pronunciada mas tão pouco comprendida dentro do campo da Psicologia Arquetípica?
A proposição “ficar com a imagem” convoca à uma revisão teórica, deslocando e libertando o trabalho com a imagem das perspectivas literalizantes dos sentidos ( visibilidade), do reducionismo conceitual, da evitação da busca incessante e infindável por um “arché” como lugar de origem, da tentativa de transformar a singularidade da imagem em uma categoria universal simbólica, da recusa às inclinações hermenêuticas, a fim de poder preservar a integridade da imagem como fenômeno.
O trabalho pretende discutir estas questões teóricas e usar como ilustração três cenas “clínicas” extraídas de textos nos quais James Hillman aparece como protagonista de seu próprio método.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Grupo de estudo: A Análise dos Sonhos


OBJETIVOS: Estudar os fundamentos da prática analítica, a começar pela interpretação dos sonhos, segundo o enfoque de C.G. Jung e de seus seguidores. O trabalho com os sonhos é um dos pilares da análise junguiana. Jung afirmou a diversidade de funções e sentidos dos sonhos: sonhos são auto-retrato da psique, sonhos são compensação de uma situação consciente, há sonhos pessoais e sonhos arquetípicos, sonhos devem ser examinados preferencialmente em série, o papel da amplificação etc. As ideias de Jung sobre o papel dos sonhos na psique humana são um precioso instrumento de trabalho para o psicoterapeuta de qualquer vertente.


BIBLIOGRAFIA BÁSICA:

Seminário sobre análise dos sonhos (C. G. Jung)

Seminário sobre sonhos de crianças (C. G. Jung)

Da essência dos sonhos [vol. 8] (C. G. Jung)

Problemas metodológicos na pesquisa de sonhos (J. Hillman)

O sonho e o mundo subterrâneo (J. Hillman)


DIA/HORA: Três quintas-feiras por mês, de 20h00 as 21h20 – início 7/10/2010


DURAÇÃO: Do dia 7/10/2010 a 17/12/2010, podendo ser retomado no ano seguinte em data a ser marcada .


LOCAL: R. Martins Ferreira, 44 (Botafogo) - Rio de Janeiro (RJ).


PÚBLICO ALVO: Psicólogos, psicoterapeutas, estudantes de psicologia e demais interessados.


INVESTIMENTO: 120 reais (mensalidade).


INFORMAÇÕES E INSCRIÇÃO: (21) 9192 4430


COORDENAÇÃO: Henrique Pereira - Psicólogo clínico, mestre em Psicologia pela UFRJ, doutor em Psicologia Social pela UERJ, professor de Psicologia e Psicoterapia Junguiana da Universidade Estácio de Sá.

sábado, 28 de agosto de 2010

O ladrão de sonhos e a anima: um comentário sobre "A Origem"

Segundo os hindus, o mundo em que vivemos é um sonho de Brahma. Para os aborígines australianos, passado, presente e futuro não apenas existem em um Tempo do Sonho, mas são Sonho. Na Grécia antiga, Homero localizou a “terra dos sonhos” nos confins do mundo real, mais próxima, portanto, das origens. Os sonhos sempre fascinaram o homem. Desde tempos imemoriais. E hoje não é diferente. A Origem, filme dirigido por Christopher Nolan, mescla espionagem, efeitos especiais e sonhos. James Bond, Matrix e Carl Jung. Seu ponto forte, para mim, não se encontra nos artifícios digitais, cada vez mais espetaculares, tampouco na formosura de Marion Cotillard, mas, sim, na temática, os sonhos. É possível controlar os sonhos? Compartilhá-los? E se assim o for, por que não roubar as ideias guardadas no inconsciente alheio? A Origem é sobre um ladrão de sonhos, Dom Cobb (Leonardo Di Caprio), psicopompo pós-moderno cujo ganha-pão é roubar ideias do “subconsciente” do sonhador incauto, geralmente um homem de negócios, para vender a outro homem de negócios. Espionagem industrial com psicotecnologia profunda.

A trama de A Origem se desenvolve sobre o que se costuma denominar “sonho lúcido”. Trata-se do sonho no qual o sonhador sabe que está sonhando. E por se achar num mundo de sonho, ele pode fazer coisas inimagináveis para quem está desperto, como voar ou transformar os objetos ao seu bel prazer. Sonhos lúcidos não são ficção científica; são fatos vivenciados por inúmeras pessoas e tema de pesquisas de universidades respeitadíssimas, como Stanford, nos EUA.

Voltemos à película. Dom é contratado por Saito (Ken Watanabe), um poderoso empresário japonês, para inserir uma ideia no inconsciente do sonhador (diferentemente do furto de ideias, como estava acostumado a fazer). A vítima, Robert Fischer (Cillian Murphy), é o filho de um empresário rival de Saito, que se acha no leito de morte. O filho será em breve o herdeiro de um poderoso conglomerado. Saito deseja eliminar a concorrência, inserindo no inconsciente de Fischer a ideia de que ele deve dividir os negócios do pai.

Para levar o empreendimento adiante, Dom pede ajuda a seu pai, Miles (Michael Cane), que lhe indica a jovem Ariadne (Ellen Page) para ser a arquiteta do sonho a ser desenvolvido na mente do milionário dorminhoco. Dom, Ariadne, Saito e outros comparsas então se unem para invadir o subconsciente de Robert Fischer. Não fica claro, entretanto, como uma pessoa ou várias entram no sonho de outra, como um sonho pode ser compartilhado, tornando possível o contrabando. Trata-se sem dúvida de licença poética para tornar a trama viável.

Uma vez no inconsciente de outra pessoa, o invasor se depara com “defesas”, nas forma de pessoas armadas, guarda-costas, que servem para proteger o sonhador. Uma ideia similar foi formulada por Freud há mais de cem anos, para quem haveria uma espécie de censura (ou censor), cuja função seria a de não permitir que desejos inconvenientes emergissem durante o sono do sonhador, fazendo-o despertar.

O ponto mais interessante é que, para que uma ideia estrangeira seja aceita pela psique do sonhador, ela tem de se articular com outras ideias do próprio sonhador. Caso contrário, será rejeitada como um corpo estranho no organismo. Dom e sua gangue descobriram que Robert e o pai não se davam muito bem. O filho sentia-se rejeitado pelo pai. Um caso clássico de complexo paterno, segundo a psicologia junguiana. A nova ideia, para então ser integrada e agir sobre o psiquismo do sonhador, teria de associar-se a este complexo. A nova ideia – “dividir os negócios do pai” – era introduzida no sonho numa situação em que o pai pedia ao filho que não o imitasse, mas fosse ele mesmo, ou seja, não deveria repetir o que pai fizera. Aderida ao antigo complexo paterno, a ideia nova poderá então surtir efeito.

Paralelamente, há o drama pessoal de Dom, acusado de matar Mal (Marion Cotillard), sua esposa. Esta tinha cometido suicídio porque Dom havia lhe implantado o pensamento de que aquele mundo não era real, que a verdadeira realidade era “outra”. Isto porque os dois haviam se perdido juntos num nível profundo de sonho, alheios ao mundo de vigília. Apesar de morta, Mal continuava uma figura viva no inconsciente de Dom, interferindo em seus sonhos; queria forçá-lo a juntar-se a ela, no sonho ou na morte. A figura de Mal pode ser aproximada ao que Jung chamou de anima. A anima é o inconsciente do homem personificado como mulher e sentido como humores perturbadores. A anima é frequentemente vivida como ilusão que obscurece o juízo. Véu de Maya. Mas é também o fator que confere alma, beleza e animação às coisas. Femme inspiratrice, a anima é o sopro de criatividade inconsciente que fecunda o espírito. Femme fatale, ela é a amante ciumenta que destrói relacionamentos. Mal quer Dom para si. Por isso faz de tudo para atrapalhar suas intenções conscientes, seu “trabalho” de contrabandista de sonhos. É ela quem arrasta Dom para os níveis mais profundos de sonho. Mal é o elemento de incerteza irredutível e incontrolável no psiquismo humano. Mesmo com arquiteturas oníricas pré-fabricadas e sedativos high-tech, a alma, como anima, não se deixa domar, desfazendo a fantasia de objetividade plena do ego racional e instrumental.

Num outro plano, sociológico dir-se-ia, o filme aborda metaforicamente as invasões psíquicas a que todos estamos sujeitos. Ideias se espalham por contágio. Ideias são como daimones, que nos possuem. Na modernidade líquida em que vivemos somos constantemente bombardeados por reclames e injunções consumistas: essere consumire est. Políticos populistas, ditadores e líderes religiosos fundamentalistas, é claro, também espalham sua ideologia. Fico imaginando o que o velho Foucault, com seu jeito ligeiramente paranóico, diria deste filme se estivesse vivo: já não basta quererem domesticar nossos corpos e nossas consciências, agora querem dominar nossos sonhos!

Que então nos impede de sucumbir totalmente a tal blitzkrieg ideológica oriunda de um poder que, a um só tempo líquido e efetivo, às vezes não sabemos sequer com certeza de onde vem e de que é feito? Que em nós resiste bravamente ao assalto de nossos sonhos? Eu diria que é a nossa “Mal interior”. A anima, esse fator de perturbação da ordem consciente vigente, que nem mesmo os contrabandistas de sonho da vida conseguem conter.

Henrique Pereira

terça-feira, 13 de julho de 2010

Novo Curso de Extensão: Estudos Junguianos Avançados



Objetivos

A psicologia analítica desenvolvida por C. G. Jung é uma teoria psicológica de grande valor, capaz de fornecer subsídios conceituais para a reflexão e investigação de vários fenômenos da vida contemporânea.

As ideias de Jung, assim como as revisões e os desdobramentos realizados pelos autores pós-junguianos, percorrem uma variedade de temas que hoje se mostram extremamente relevantes, como por exemplo: a função criativa do inconsciente, o sonho como fator de auto-regulação da psique, a busca da diferenciação entre o conceito e os fenômenos da imagem e do símbolo, o exame dos complexos culturais que caracterizam as diferentes sociedades, a indissociabilidade entre natureza psíquica e cultura, os arquétipos como esquemas psíquicos formadores de subjetividades, o resgate da função da contratransferência na clínica das neuroses e a imaginação como faculdade primária da atividade psíquica.

Depois da experiência bem sucedida de dois anos organizando e ministrando o Curso de Extensão Jung e os Pós-Junguianos, decidimos aperfeiçoar o formato, modificando parte de seu conteúdo. As novidades aparecem sobretudo nos módulos 3 e 4, onde passamos a destacar a contribuições da psicopatologia junguiana e a discutir as relações entre psicologia analítica, arte e humanidades.

Com o objetivo de continuar afirmando a originalidade, potência e atualidade do pensamento de Jung é que oferecemos este novo Curso de Extensão Estudos Junguianos Avançados.


Módulos

1. Fundamentos da psicologia analítica de C. G. Jung

Jung e seu tempo. Uma breve história da psicologia analítica: os anos psiquiátricos, o encontro com Freud e a criação da psicologia analítica. A psicologia analítica depois de Jung. As principais escolas do pensamento junguiano na atualidade: clássica, desenvolvimentista e arquetípica. Os conceitos e proposições fundamentais da psicologia de C. G. Jung: complexo, arquétipo, símbolo e processo de individuação, o trabalho com sonhos, imaginação ativa e a alquimia como metáfora dos processos psíquicos.

2. As escolas de psicologia arquetípica e desenvolvimentista

James Hillman e a "revisão" da psicologia junguiana. O retorno à ideia de alma. Politeísmo e metáfora. Da metafísica dos arquétipos à fenomenologia das imagens. A base poética da alma. O retorno a Anima Mundi (alma do mundo). A Escola Desenvolvimentista e sua aliança com a psicanálise inglesa. A Psique da criança. As contribuições teóricas e clínicas de Michael Fordham. O autismo como desordem do self. Aproximação da teoria dos arquétipos com a teoria da evolução. Samuels e a psique plural.

3. Psicopatologia e prática clínica

Contribuições junguianas à psicopatologia e suas implicações sobre o trabalho clínico. Jung e a clínica das psicoses. O Resgate do sentido nas produções delirantes. Os deuses como doenças: a psicopatologia de uma perspectiva arquetípica. As estruturas do caráter segundo uma abordagem arquetípica e desenvolvimentista. A clínica junguiana da criança e do adolescente. Individuação na infância e o adolescente entre a Persona e a Anima. As relações entre neurociência e psicopatologia: avanço ou reducionismo?

4. Artes, humanidades e cultura

A relação da psicologia analítica com literatura, poesia e cinema. O diálogo de Jung com os trabalhos de Pablo Picasso e James Joyce. A cura da cisão estética-ética na Psicologia Arquetípica. Cinema como palco de complexos. Projeção psíquica e projeção fílmica. As viagens de Jung: um suíço em busca do “primitivo” e a Africa como um dos nomes do incosciente. A teoria dos complexos culturais como instrumental teórico para o estudo dos grupos e das nações.

CARGA HORÁRIA: 40 horas.

DURAÇÃO: 4 meses (aulas de 5 horas cada, aos sábados).

INÍCIO: 28 de agosto de 2010

CRONOGRAMA:

Agosto - 28

Setembro - 11 e 25

Outubro - 2 e 30

Novembro - 6 e 27

Dezembro - 4

HORÁRIO: das 14h às 19h.

LOCAL: Rua Jardim Botânico, 674 cobertura (Rio de Janeiro).

PÚBLICO ALVO: psicólogos, estudantes de psicologia e demais interessados.

INVESTIMENTO: quatro parcelas de R$230,00

INFORMAÇÕES PELOS TELEFONES: (21) 2543-5006 e (21) 9192-4430.

O curso fornecerá certificados para os participantes com, no mínimo, 75% de frequência.

Vagas limitadas.

Curso organizado e ministrado por:

MARCUS QUINTAES

Psicanalista junguiano, membro da International Association of Jungian Studies, membro fundador do grupo Himma: Estudos em Psicologia Imaginal (SP), coordenador de seminários sobre pensamento pós-junguiano e psicologia arquetípica em São Paulo e Rio de Janeiro. CRP 05/17406.

HENRIQUE PEREIRA

Psicólogo clínico, Mestre em Psicologia pela UFRJ, Doutor em Psicologia Social pela UERJ e professor de universidades particulares no Rio de Janeiro e Niterói. CRP 05/25011.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Cartas de James Hillman e Wolfgang Giegerich






É com grande prazer que compartilhamos com o público junguiano brasileiro estas cartas escritas por James Hillman e Wolfgang Giegerich para o Seminário organizado "Psicologia Arquetípica e Dialética: Encontros e rupturas entre James Hillman e Wolfgang Giegerich".
Estas duas cartas possuem extremo valor histórico, principamente, a escrita por James Hillman pois nela o autor relata, pela primeira vez, os pontos de aproximação e distanciamento de suas idéias daquelas defendidas por Giegerich. Em nenhum outro "momento" de sua vasta obra, Hillman foi tão íntimo, explícito e transparente em relação as diferenças entre a Psicologia Arquetípica e a Psicologia Dialética da vida lógica da alma como proposta por Giegerich. Por outro lado, a generosa e simpática carta de Giegerich também nos presenteia com suas afirmações sobre a importância da discussão e da polêmica no campo teórico junguiano como condição sine qua non para o desenvolvimento e avanço da própria psicologia analítica. Giegerich ratifica na carta sua posição de que o uso da mitologia tornou-se obsoleto para a psicologia analítica, isto é, vivemos em um nível lógico de consciência advindo da modernidade que não mais comporta o recurso aos mitos ou a " epistrophé" como sugere Hillman.

As trocas de idéias, concordâncias e divergências entre Hillman e Giegerich podem ser divididas em 4 momentos:

a) Em 1987, Giegerich publica na Revista Spring o texto " The Rescue of the World" , onde apresenta as idéias do filósofo Hegel e suas repercussões na teoria junguiana. Hillman, responde à este texto com seu artigo " Hegel, Giegerich and USA" onde confronta retórica X lógica, linguagem X pensamento, imagem X conceitos. Na mesma edição, Revista Spring 1988, Giegerich apresenta à sua réplica com o artigo " Effort? Yes, Effort", onde demonstra, através da lógica hegeliana, que o pensamento de Hillman não conseguiu escapar de um dos temas que mais procura combater: o oposicionalismo.

b) No Festival de Psicologia Arquetípica em Notre Dame -1992, Giegerich apresenta seu clássico texto " Matanças: O Platonismo na psicologia e o elo perdido com a realidade" ( o texto completo, muito maior que a apresentação oral feita no congresso, encontra-se no Volume 3 das Obras Completas de Giegerich cujo título é " Soul-Violence"). Hillman responde à provocação com artigo publicado na Spring 56, ano 1994, com seu texto " Once more into Fray /Uma vez mais na briga. E , finalmente, depois da negação do editor da Spring em querer dar mais espaço para a discussão na revista, Giegerich escreve " Once more, the the reality/irreality issue" onde finaliza sua divirgência com Hillman sobre a questão lançada em " Killings/matanças".

c) Publicação em 1999 de " The Soul's logical life" por Giegerich. Segundo o analista junguiano Michael Vannoy Adams, " o mais importante livro junguiano desde Re-Visioning Psychology". O livro é a mais consistente e articulada crítica à Psicologia Arquetípica feita por um pensador junguiano.

d) Na Revista Spring 2006 cujo tema é " Alchemy", Stanton Marlan publica o texto " From the Black sun to the Philosopher's stone" onde expôe as diferenças entre os pensamentos de Hillman e Giegerich tendo como pano de fundo o imaginário alquímico. Em 2008, no livro publicado em homenagem aos 80 anos de James Hillman - " Archetypal Psychologies: Reflections in honor of James Hillman" organizado pelo próprio Stanton Marlan, há um excelente texto de Wolfgang Giegerich entitulado " The Unassimilable Remnant - What is at stake? - A dispute with Stan Marlan" . Neste texto, Giegerich, responde detalhadamente cada posição apresentada por Stan Marlan em relação ao seu pensamento e ratificando as diferenças teóricas entre a psicologia arquetípica de Hillman e o pensamento dialético da vida lógica da alma.

Rubicão: Travessias Junguianas agradece o apoio e a confiança dos autores e espera com a publicação destas cartas-documentos contribuir, cada vez mais e sempre, com o alto nível do debate teórico em nosso campo de trabalho e criar condições para os novos rumos da Psicologia Arquetípica e Junguiana no Brasil.

Marcus Quintaes


(Tradução da carta de James Hillman para Marcus Quintaes)

DIVERGÊNCIAS (A propósito do Seminário Brasileiro sobre Giegerich/Hillman)


Tanto Wolfgang quanto eu, somos “filhos de Jung”. Ele é nosso ponto comum de origem no contexto de seu seminário. Mas há diversos “Jung” e muitos outros filhos e filhas. Não tenho bem certeza de qual seja a passagem ou a idéia em Jung que represente o ponto de partida de Wolfgang; o meu ponto de partida está no CW/6, onde Jung escreve que a fantasia cria realidade todos os dias, e onde o termo “imagem de fantasia” não deriva, diz ele, da referência a um objeto externo, mas é mais análogo a um uso poético.
Em outros lugares, Jung fala sobre os complexos, que constituem a estrutura da psique e são sua fonte energética, como “Deuses”. Isto me sugere que a questão toda da psique e, é claro, da psicologia também, não seja somente um tipo de mitologia, mas principalmente de que nossas vidas, tão profundamente enraizadas nos complexos, são melhor apreendidas através dos mitos, mitos definidos aqui como narrativas e/ou rituais onde humanos e Deuses interagem. Sei que deveria indicar aqui as citações correspondentes, mas esta é só uma carta, e estou ficando velho...
Quando imagino de forma mais ampla estas idéias de Jung, quando sonho o mito adiante, como ele também disse, vou para a mitologia, para textos nos quais os Deuses aparecem e para aqueles textos que melhor apreenderam a psicologia que chamamos de mitologia, tais como em Kerenyi, Otto e Vemant, etc. E, se levo a sério a fundamentalidade da imagem (cf. Lopez-Pedraza), devo então ir para Corbin e para Durand também, e especialmente para Bachelard, com o intuito de explorar a realidade tanto imaginal quanto psíquica, baseada na imaginação. Meu “Essay on Pan” (“Ensaio sobre Pan”) do começo dos anos ’70 segue esta direção.
Para mim, o logos da alma não é uma lógica, nem a alma em si é um logos. O logos da alma se apresenta em sua capacidade de dizer-se, de responsabilizar-se por si própria, de descrever-se, de contar sua verdade, e este logos não possui fronteiras (como Wolfgang já disse), e ele não é necessariamente só lógico ou sintáxico. Seu logos, o logos da psique, a psicologia, pode aparecer tanto através de imagens, como de pensamentos.
Gosto da idéia de Giegerich de que psique é (também) pensamento e fazer alma é (também) pensar. Em sua resposta a Marlan (no ensaio que generosamente contribuiu (p.204) ao livro editado por Marlan em minha honra), Giegerich escreve que nos pensamos em palavras da linguagem e não em imagens. Eu diria exatamente o contrário. As palavras são elas próprias, imagens. A história da linguagem de acordo com Barfield e Vico sugere que metáforas polissêmicas e analogias poéticas dão origem a conceitos denotativos e singularidade de significado. A linguagem não pode nunca nos libertar de sua mãe primordial, o sensorial, o natural, o físico, a implicação de uma anima mundi – uma alma no, e do mundo natural, mesmo que tal mundo natural seja sempre “não-natural”. Por ela ser psique também, ela pensa e imagina e possui uma inteligibilidade própria.
Devemos mesmo priorizar palavra sobre imagem ou imagem sobre palavra?
Entretanto, se fizermos tal movimento rumo a uma direção ou à outra, quais seriam as conseqüências? A imagem significa, em primeira instância, uma psicologia que é estética e imersa no cosmo. A palavra oferece, em primeira instância, uma psicologia “cortada”, como Wolfgang diz, de toda e qualquer noção física, a não ser a mente humana (senão onde encontrar as palavras, a linguagem?), ou divina como João anuncia no Quarto Evangelho.
Em nossa divergência, tanto Wolfgang quanto eu, não temos escrito muito sobre terapia nos últimos tempos. Eu faço somente uma “terapia de idéias” em público (textos e conferências), não mais terapia com pessoas individuais. Acredito que ele ainda mantenha sua prática clínica. Pode parecer que eu tenha desertado a prática terapêutica. Porém, como considero que os distúrbios da emoção estão sujeitos a uma re-ordenação através da imagem (o “espectro” de Jung, CW/8), e que uma imaginação perturbada pode ser curada pelo mito, como Vico sugere, eu acredito que estou continuando a fazer terapia.
Uma grande divergência diz respeito a como olhamos para a história. E aqui, Marcus Quintaes, eu me dirijo tanto a você, quanto a Wolfgang. Quando se olha para o meu trabalho pelas lentes da cronologia, é então possível descobrir ali algo do início, do meio, tardio, etc. caindo assim na idéia de progresso e regresso, desenvolvimento, bem como conflitos internos entre uma assim chamada “fase” e outra, quer seja ela anterior ou posterior. Então, sempre que aparece em um texto algo diferente daquilo contido em outro texto, tenta-se conciliar este algo como retração ou correção. Entretanto, se olharmos para os trabalhos escritos pelas lentes da imagem, como se fossem quadros ou peças musicais, então eles podem diferir um do outro sem a necessidade de preencher a idéia de consistência cronológica. Cada peça musical composta (digamos, por Villa-Lobos) é única e se sustenta e justifica por si própria, tem sucesso ou fracassa da forma como ela é, e somente se conecta com aquilo que veio antes ou depois a partir de uma perspectiva “externa”. Em uma retrospectiva, quadros (digamos, de Picasso), mesmo quando expostos de sala em sala em ordem cronológica, “utilmente” enriquecidos por textos biográficos na parede, continuam, apesar de tudo, “cada um, um”. Qual a razão de se olhar para eles através de um olhar genérico, alheio ao pintor – e aos quadros?
Esta abordagem, digamos assim, imagística pode também ser aplicada ao estilo de ataque de Giegerich. Imagine-o usando uma faca como paleta, lixas, pinceis duros e pinceladas pretas, espessas e pesadas, p,ara cimentar diferenças, para quebrar convenções. Pense nos começos de Stravinsky, Shostakovich. A agressividade pode ser uma necessidade retórica; de forma que suas devastações de Freud e Jung, ou de mim, não devem ser tomadas literalmente como desagradáveis ou ruins a nível pessoal.
Eu realmente penso que Giegerich possui uma percepção apurada da história, e que ele percebe o passado como algo que pode ser, ou que já foi, por assim dizer, vencido, ou pelo menos, superado (aufgehoben). Penso que ele dá passos cronológicos, não somente passos lógicos, – apesar de que ele parece parar em Hegel. O meu trabalho, bem como o de Jung para Wolfgang, pode ser denominado de pré-Hegeliano, mais do que simplesmente não-Hegeliano. Portanto, a posição de Wolfgang, quando afirma que Jung parou no tempo e que eu sou um nostálgico e um escapista do presente momento histórico real, é justificada e pertinente. Vejo uma confluência de lógica e temporalidade em minha compreensão de seu pensamento. Teria ele uma tendência a literalizar o tempo e a história? Minha tendência é imaginar o passado mais como aquilo que Agostinho chamava de memória – a saber, imaginação deitada no tempo passado. “O passado”, dizia William Faulkner, “não está morto. Não é nem mesmo passado”. Vou ao passado para sementes e ganchos. Retiro dele o que preciso, ignorando geralmente sua “história”. Desta forma, sou tanto um classicista quanto um romântico.
Tenho menos certeza, creio eu, do que Giegerich quanto a um movimento dialético em frente no pensamento humano. Sabe, Wolfgang considera os mitos clássicos obsoletos. Não estaria ele aqui pensando a) temporalmente, b) literalmente, c) positivisticamente? Os mitos não são obsoletos para as artes, que ainda bebem em sua fonte e nas quais eles ainda aparecem. A própria categoria de “obsoleto” baseia-se em um literalismo temporal. A fuga do determinismo temporal é um dos anseios de muitos de meus escritores favoritos – incluindo Jung e seu trabalho sobre sincronicidade. Para Plotino, é o tempo que está na alma (é um fenômeno psicológico) muito mais do que a alma no tempo.
Marcus, por que olhar para o meu trabalho em estágios? Lembra da observação de Picasso? “Eu não me desenvolvo, eu sou”. O tempo não muda as figuras e os padrões básicos de um tapete, os temas dominantes que recorrem e nos perseguem vida afora. Por exemplo: o meu lidar com o Dionisíaco já está presente, apesar de não nomeado, em meu livro de 1960, Emotion; bem como na sublime e terrificante atração pelo Mundo Subterrâneo em “Suicide and the Soul (1964) (Suicídio e Alma”); em Dream and the Underworld (Dioniso, Hades, Plutão); nas Conferências de Eranos (1969) onde ele é o movimento conclusivo final; e, é claro, em A Terrible Love for War. Outro exemplo: minha devoção à anima aparece tanto no livro chamado Anima, em “Betrayal” (“Traição”), nos ensaios sobre prata e mercúrio, no capítulo sobre anima em Insearch (1967) (“Busca Interior em Psicologia e Religão) e nas conferências mais recentes sobre Afrodite. Estes temas são constantes saturnais, visitados e revisitados em momentos diferentes, para ocasiões diferentes. Eles não progridem. Nenhum deles foi resolvido. Qual a finalidade de tentar organizar suas leituras seguindo a flecha estreita do tempo? O que me faz lembrar a predileção de Wolfgang por esta metáfora (o Wurf, o impulso para a frente da ponta da lança). Cuidado ao embrulhar uma variedade de produtos em uma única embalagem. É preciso ter claras as categorias usadas para embrulhar. Não use papel jornal. David Tacey e Andrew Samuels, por exemplo, me embrulham numa simplificação jornalística. Mas, às vezes, a coisa embrulhada resiste em ficar dentro da caixa, especialmente se conserva certa energia animal inata que esperneia e se debate, não querendo ser embrulhada em hipótese alguma

Bem, agora, para onde nossas divergências nos conduzem? Sem dúvida, como você aponta, confesso ser movido e inspirado por uma energia qualitativamente marciana. Mas então, querendo ou não, isto forçosamente envolve Venus – e com Venus vem todo um estilo de jogos de sedução e artimanhas, de que Giegerich corretamente me acusa, em meus textos e na psicologia arquetípica. Sim, Ginette Paris também apontou isto há algum tempo, o meu trabalho apóia, representa e é insuflado de paixão por anima, da mesma forma que o trabalho de Wolfgang deriva – deliberadamente, brilhantemente, radicalmente e exaustivamente de e com animus.
Provavelmente, Wolfgang e eu temos uma relação divergente com o velho Saturno. Eu tento render-lhe homenagem explorando exaustivamente não somente “o senex”, mas principalmente tentando evitar que ele devore meus pensamentos mais profundos até que só reste deles negatividade. Ás vezes, eu tenho a impressão que Wolfgang tornou-se um devoto de Saturno. Quando leio seus ensaios, sua visão saturnal do mundo contemporâneo, a ênfase no tempo, na ordem sintáxica, na negação, e as imagens de faca, bomba, e Actaeon saqueado, ou a própria idéia de sublação, parece haver uma obliteração, um absolutismo, uma hegemonia devoradora, que engole tudo. Manter-me em meu próprio caminho e longe do dele, também é contra-fobico de minha parte. Não quero meu trabalho engolido na resolução universal da lógica Hegeliana. Anima deve permanecer parcialmente “inalcançável”. Assim, eu lhe pergunto, o que invalida a sedução como método psicológico? Até os Sofistas e seu sofismo desenvolveram uma psicologia e eles eram mestres esmerados.
O que há de errado em erodir categorias com a finalidade de despertar a ambigüidade do intelecto? O que há de errado com uma retórica velada, com o oferecer a promessa de uma nudez clara, distinta e conclusiva, à qual, de fato, nunca se chega; o que há de errado com floreados, excessos, rasgos de emoção, o que há de errado em desaparecer (como Dioniso) quando sofremos um ataque? (Penso que Walter Otto conta muitas estórias sobre o desaparecimento de Dioniso ao sofrer uma ameaça, inclusive indo até as Musas(!) e desaparecendo nas profundezas do mar.
Ao longo destes últimos dez, ou mais, anos, tenho sido frequentemente impelido a responder para Wolfgang. Ele é um amigo de longa data, e tenho falhado em honrar esta amizade com uma resposta séria a seus esforços extraordinários. Havia dois obstáculos. Em primeiro lugar, me parecia que – para fazer-lhe justiça – teria que me envolver em um esforço grande demais: dominar argumentos, reler seus textos mais antigos e manter-me atualizado sobre os mais recentes, explicar minhas palavras e intenções. No fundo, eu sei que este tipo de resposta não se faz necessária, visto que ele compreendeu claramente aquilo que escrevi. Não precisa defesa ulterior.
Qualquer que fosse minha resposta, isto nos deixaria exatamente onde estamos: amigos que divergem.
Em segundo lugar, confesso meu sentimento de que uma resposta representaria uma distração do fluxo contínuo de coisas que eu queria iniciar ou completar. Talvez, Marcus, você precisaria saber que eu nunca respondo para comentaristas, nem argumento com críticos, apesar de tentar digerir suas críticas. Posto eu ser tão arraigadamente um “homem de Marte”, uma resposta significaria ou uma defesa ou um contra-ataque, e eu prefiro evitar os desafios a um combate. Prefiro imaginar.
Responder significa instalar oposição – tal como o seminário que você está propondo, para o qual envio esta carta. Entretanto, oposições – a menos que você as imagine de forma literal como tais, também podem ser imaginadas como caminhos divergentes. Seguimos por caminhos paralelos e nos envolvemos com a geografia dos locais pelos quais passamos, de formas diferentes.

Você sabe, tenho me debruçado sobre o “oposicionalismo” em muitos de meus textos, achando-o extremamente tóxico no pensamento sistemático de Jung. Wolfgang também tem trabalhado o assunto, debruçando-se sobre e através do oposicionalismo da herança Cartesiano-Kantiana, com a idéia de sublação e da dialética Hegeliana. Não há argumentação aqui. Além do mais, argumentar é uma modalidade de animus que, como Wolfgang deixou muito claro, não é a minha modalidade.

Vamos concluir com um sorriso.

James Hillman Thompson, CT 2008



Aos participantes do Seminário sobreJames Hillman e Wolfgang Giegerich no Brasil


Do outro lado de um oceano e do hemisfério norte para o hemisfério sul, gostaria de enviar minhas saudações aos participantes deste seminário e minhas congratulações a seus organizadores, por sua idéia maravilhosa de iniciar este projeto.
É tão importante que debates teóricos em nosso campo comum de atuação venham acontecendo, pois somente desta forma podemos manter a psicologia viva.
Como vocês provavelmente devem saber, no início de meu trabalho psicológico, o novo élan e a nova vida que James Hillman levou á psicologia Junguiana tiveram forte impacto sobre mim, sendo que trabalhei em cooperação com Hillman durante muitos anos. A partir de dado momento, meu pensamento e o dele começaram a se afastar e tomar direções ligeiramente diferentes, apesar de continuarmos conectados por um interesse comum e apaixonado pelo psicológico, que sempre compartilhamos.

Por volta do final dos anos ’80 me pareceu que Hillman, e não eu, tinha se afastado de algumas de suas posições anteriores, em uma direção que não me foi possível seguir. Posteriormente, quando comecei a desenvolver cada vez mais meu próprio trabalho, eu também comecei a mover-me em uma direção que, desta vez, Hillman não podia aceitar. Como não desejo antecipar aqui aquilo que será a tarefa de vocês todos discutir neste Seminário, não entrarei em detalhes. Mas gostaria de salientar pelo menos um dos pontos críticos, que diz respeito à noção de alma objetiva.

Parece-me que, enquanto continuarmos a abordar os fenômenos psíquicos com idéias específicas em nossa mente a respeito do que a alma é, com um sentido mais ou menos fixo daquilo que “tem alma” e “não tem alma”, estaremos operando a partir de um pré-julgamento subjetivo. Só podemos fazer plena justiça ao conceito de psique objetiva se podermos reconhecer que a própria “matéria original”, cada matéria original, possui em si mesma tudo de que precisa, até mesmo sua própria “definição” de alma.

Não devemos aplicar nosso sentido de alma aos fenômenos, mas devemos, muito pelo contrário, permitir que tais fenômenos nós ensinem o que alma significa, em cada caso de novo, em cada contexto concreto. Desta forma, não deveríamos importar para a psicologia sentidos fixos para o termo alma, nem categorias sem tempo (i.e. “os deuses”) de uma fase cultural específica da vida da alma, como, por exemplo, ver o mito Grego pelas lentes de um neo-Platonismo tardio.
É a própria alma que decide o que e como ela é em cada período histórico, não nos. A alma é viva e ela é Vida. Ela é livre para reinventar-se repetidas vezes ao longo de sua história. Este tipo de atitude permite que possamos ver a alma atuando desde através do fenômeno arcaico do sacrifício de sangue até através da moderna civilização tecnológica, fenômenos estes que – de outra maneira – poderiam nos parecer “sem alma”. E, por outro lado, isto não nos permite falar de Zeus ou Afrodite no contexto de nossa vida moderna.
A alma é sempre a alma do e no real, naquilo que, em dado momento, tem sido in via ejectum. A tarefa da psicologia é libertar a alma, o espírito Mercúrio, aprisionado no real. Em última análise e acima de tudo, libertar a alma significa libertar também sua própria definição de si mesma.

Devido ao compromisso que assumi para com a psique objetiva, dedico-me mais à “matéria” e seus conteúdos do que à nossa retórica, estilo, etc. ao falarmos sobre “a matéria”. A retórica torna os textos sedutores mas, com grande freqüência, muito mais sedutores “para o ego” do que para a própria alma. Quando se trata de estilo ou forma, meu interesse está na forma lógica interna dos fenômenos psíquicos, sua “sintaxe” e seu status.



Berlim, 23 de setembro de 2008 Wolfgang Giegerich

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Inscrições abertas para nova turma do Curso de Extensão Jung e os Pós-Junguianos



(Clique na imagem acima para aumentá-la)

Estão abertas as inscrições para a quinta turma do Curso de Extensão Jung e os Pós-Junguianos, organizado pelo Rubicão, pelos telefones 2543 2006 e 9192 4430 (falar com Marcus ou Henrique).

Veja o conteudo dos módulos abaixo.

Módulos:

1 - Fundamentos da Psicologia Analítica de C.G.Jung
Uma breve história da psicologia analítica. Jung e seu tempo: os anos psiquiátricos, o encontro com Freud e a criação da psicologia analítica. As principais escolas do pensamento junguiano na atualidade: clássica, desenvolvimentista e arquetípica. Os conceitos e proposições fundamentais da psicologia de C.G.Jung: complexo, arquétipo, símbolo, imagem e processo de individuação, alquimia e a metáfora dos processos psíquicos.

2 - James Hillman e a Psicologia Arquetípica
James Hillman e a "revisão" da psicologia junguiana. O retorno à idéia de alma. Politeísmo e metáfora. Imagem e imagem arquetípica. Psicopatologia Arquetípica. Anima Mundi. A base poética da alma. Personificar e ver através. Código do Ser e a Força do Caráter. Sonhos e mundo subterrâneo.

3 - A Escola Desenvolvimentista de Londres
A Escola Desenvolvimentista de Londres e sua aliança com a psicanálise inglesa. A Psique da criança. As contribuições teóricas e clínicas de Michael Fordham. Aproximação da teoria junguiana com as modernas teorias evolutivas e etológicas. Jung e Bowlby- A teoria do apego. O autismo como desordem do Self. Arquétipos, teoria da evolução e psicopatologia. Fordham e o diálogo entre a psicologia analítica e a psicanálise inglesa.

4 - O Pensamento Pós-Junguiano na atualidade
Alguns dos principais temas trabalhados pelos pós-junguianos na atualidade. A contribuição de Wolfgang Giegerich e a vida lógica da alma. As estruturas do caráter segundo N.J.Dougherty e J.West. Os complexos culturais no cenário contemporâneo. Novas direções na clínica pós-junguiana.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Seminários Junguianos em São Paulo

Divulgamos os Seminários Junguianos coordenados por Marcus Quintaes em São Paulo - 2010

Seminários Junguianos -2010 -


1 - O Retorno para a clínica: Do " Professor" Jung em direção ao " Doutor" Jung

A biógrafa Deirdre Bair em seu livro " Jung: Uma biografia" revela que durante os meados dos anos 20 e início dos anos 30, Jung foi cada vez mais, abandonando o seu interesse na análise individual para desenvolver a sua teoria psicológica e, com isso, voltando-se para os problemas psíquicos gerais e as correspondências históricas.
Cito Deirdre Bair:

" Em vez de escrever o histórico dos pacientes como meio de estabelecer modelos de tratamento, ele agora queria se concentrar nos arquétipos do inconsciente coletivo".

Durante este período, Jung era considerado mais como um professor que médico, o que provocou uma mudança silenciosa e discreta em seu título, ou seja, o " Dr. Jung" tornou-se "Professor Jung" pelo resto da sua vida.
Este Seminário pretende seguir a direção oposta. Nossa intenção é refazer o movimento em seu sentido contrário a fim de resgatar os princípios clínicos da psicologia analítica. Neste sentido, queremos o " Doutor Jung" e não o " Professor Jung". Nossa intenção é realizar uma pesquisa a fim promover o retorno dos fundamentos teóricos que sustentam o exercício da prática clínica junguiana.
Para este própósito, nos concentraremos no estudo dos textos relativos ao período onde a dimensão clínica de Jung foi preponderante e objeto de intenso e vasto reconhecimento internacional. Refiro-me ao que foi conhecido como " os anos psiquiátricos" da obra de Jung, isto é, ao "famoso e genial Dr.Jung" , o clínico das psicoses, particularmente, da esquizofrenia. É a partir da leitura dos textos escritos por Jung, na época em que atuava como psiquiatra, que nos basearemos para apontar que ali já se encontravam as sementes do que viriam a ser os fundamentos da clínica junguiana.
Jung aos 32 anos publicou sua importante e capital obra chamada " Psicologia da demência precoce" (1907) e um dos seus últimos trabalhos foi a apreciação de seus textos sobre a esquizofrenia ( 1957) quando contava com 82 anos de idade. São textos que agrupam observação clínica e experimentação e onde se defende , pela primeira vez, a tese de que todos os sintomas psicóticos podem ser compreendidos psicologicamente.
Nos deteremos em três aspectos fundamentais da atitude de Jung como psiquiatra:
A busca incessante de uma etiologia psicológica para as psicoses e seus sintomas
A importãncia das fantasias nas produções delirantes e alucinações
A relevância das funções do ego com as imagens no sujeito psicótico
A questão do tratamento psicológico das esquizofrenias
Refazer este caminho possui dois objetivos bastante claros e definidos: Queremos recuperar uma psicopatologia junguiana no modo como Jung a concebeu: "uma ciência que mostra aquilo que está acontecendo na psique durante a psicose" . Trata-se de recuperar a base histórica e conceitual dos princípios da clínica junguiana como também recuperar a potência do discurso teórico junguiano frente as questões da doença mental e dos desafios impostos pelas psicoses e seus sintomas. Em tempos efetivos de reforma psiquiátrica, resgate da qualidade dos atendimentos ambulatorias e promulgação e disseminação dos CAPS, é fundamental trazer para este campo de discussão coordenado pelo discurso psiquiátrico, as colaborações e contribuições do pensamento de Jung e da psicologia analítica sobre a questão das psicoses e das doenças mentais.

Nosso material de leitura começará com o texto " Conteúdo da Psicose" do Vol.III das Obras Completas de Jung - " A Psicogênese das doenças mentais" e faremos interlocuções com textos de outros autores junguianos como Nise da Silveira, John Perry, Michael Vannoy Adams, Heinrich Karlz Fierz, Wolfgang Giegerich, James Hillman, Walter Melo e outros.

Datas dos encontros:

5 de Fevereiro
12 de março
9 de Abril
7 de Maio
11 de Junho

Duração: 10hs às 13hs
Valor: 120 reais por encontro
Local: Local: Rua Pamplona, 1018, cj.33. Jardim Paulista - metrô Trianon-Masp



2 - Psicanálise e Psicologia Analítica: Um encontro possível

O analista junguiano Murray Stein em artigo entitulado " Solutio and Coagulatio in Analytical Psychology" no livro " The Analytical Life: Personal and professional aspects of being a jungian analyst" ( Sigo Press.1988) comenta que após a separação entre Freud e Jung, caminhos distintos foram realizados por ambos. Para Stein, Freud retirou seu investimento libidinal sobre Jung e o lançou sobre novos objetos ( Ferenczi), porém Jung reprimiu Freud fazendo com que, consequentemente, a psicanálise se tornasse a sombra da psicologia analítica. Murray Stein aponta que o fruto desta repressão sobre a psicanálise é uma visão inteiramente distorcida por parte dos junguianos do que realmente é a teoria psicanalítica. Ele continua e comenta que as únicas e raras referências feitas a Freud e a outros autores psicanalíticos possuem uma única função: servir como contraste aos pontos de vista da psicologia analítica a fim de confirmar a ela própria.
O objetivo deste seminário é , a partir do ponto de vista de Murray Stein, buscar suspender este recalque à psicanálise e procurar definir qual a visão que os junguianos possuem sobre Freud e a psicanálise.
Podemos considerar que este movimento que propomos não é inédito, considerando alguns exemplos:

A intensa e profícua relação do analista junguiano Michael Fordham com o pensamento e a teoria psicanalítica de Melanie Klein. Fordham é um dos que se atrevem a suspender o recalque à psicanálise ao se propor a trabalhar com os "temas psicanalíticos" da infância e da transferência.
Autores pós-junguianos como Paul Kugler, Brigitte Allain-Dupré e Stanton Marlan que fazem interlocuções com o pensamento de Jacques Lacan e o analista junguiano Greg Mogenson com suas articulações sobre Histeria junto ao pensamento do psicanalista Christopher Bollas.
A histórica conferência ralizada pelo analista Junguiano francês, Pierre Solié, membro da Sociedade Francesa de Psicologia Analítica entitulada " O Pai na mitologia Grega e especialmente na Teogonia de Hesíodo- Pai Animus, Pai- Anima". Esta conferência, disponível na Revista Junguiana , volume 5, é um perfeito exemplo de articulação entre conhecimento mítico, teoria junguiana e conceitos lacanianos como os quatro discursos e o significante da falta do Outro.
O Seminário deseja , através do estudo de textos freudianos e lacanianos, propiciar uma aproximação maior dos conceitos que fundam a psicanálise e , deste modo, recuperar a possibilidade de troca teórica e intelectual entre estas duas escolas de pensamento sobre o inconsciente: psicologia analítica e a psicanálise.
A intenção que rege o seminário não é antagonizar com a psicanálise e sim, pensar de " modo junguiano", os temas e lugares onde a psicanálise já habita.
Neste sentido, o nome " Jung" será trabalhado como um primus inter pares ao lado de outros nomes com o Freud, Lacan, Klein, Winnicott e outros.

Começaremos com o estudo das estruturas psicanalíticas da neurose - Histeria e Neurose Obsessiva. Nesta vertente, o objetivo é estudar como se opera o que Freud denominou " a escolha da neurose" pelo sujeito assim como a diferenciação entre o diagnóstico médico - orientado por procedimentos técnico-mensuráveis - e o diagnóstico psicanalítico que se sustenta exclusivamente na palavra ( discurso) e na surgimento da transferência.
Neste primeiro encontro, proponho a leitura em conjunto do texto de Jacques Alain Miller chamado " O Método psicanalítico" ( " Lacan elucidado" Ed. Zahar).
O texto se subdivide em 3 seções:

a) Diagnóstico e localização subjetiva ( avaliação clínica e subjetivação)
b) Introdução ao Inconsciente ( Retificação)
c) Respostas e questões em aberto

Datas:


5 de Fevereiro
12 de março
9 de Abril
7 de Maio
11 de Junho

Duração: 14hs às 17hs
Valor: 120 reais por encontro
Local: Local: Rua Pamplona, 1018, cj.33. Jardim Paulista - metrô Trianon-Masp






3 - Revisioning Psychology - O Patologizar
Seminário sobre a Psicologia arquetípica de James Hillman


Neste seminário, avançaremos na leitura da obra fundamental de James Hillman: "Revisioning Psychology". Após termos lido o capítulo “Personificar”, começaremos a estudar uma das principais idéias da Psicologia Arquetípica, ou seja, o Patologizar. Estudaremos o contexto que permitiu a Hillman criar esta idéia fundamental para o trabalho de fazer – alma como proposto por ele. O patologizar surge como um antídoto frente a ênfase quase religiosa a favor da saúde e da totalidade que contaminavam o ambiente psicológico junguiano no final da década de 60 e início dos 70. Para Hillman, o patologizar não se confunde com o patológico, visto que é umas das formas mais legítimas e particulares da alma apresentar suas imagens. Destacaremos através de um olhar retrospectivo e histórico que o patologizar sempre esteve presente na história da criação da Psicologia Arquetípica através dos inúmeros textos onde Hillman apresentou suas imagens sobre esta idéia como: traição, masturbação, morte, depressão, pânico, velhice e a guerra.
A questão que pretendo lançar ao grupo é: Diante do cenário atual em que atravessamos, onde todo sofrimento psíquico torna-se patológico, como a noção de " patologizar" pode ajudar a nos re-posicionarmos de modo ético e clínico frente a esta arbitrariedade? Pode haver sofrimento psíquico sem a marca do patológico? Toda dor deve necessariamente ser uma dor patológica? Queremos discutir o "patologizar", como proposto pela psicologia arquetípica, ser a marca de uma nova possibilidade de aceitação e acolhimento para estas legítimas experiências da alma: tristeza, depressão, melancolia, tédio, apatia, desãnimo, todas as dores do existir.
Se a clínica sustentada pela Psicologia Arquetípica não se sustenta em nenhum ideal de " vida saudável" ( esta é uma prerrogativa dos médicos, nutricionistas, academias de ginástica, etc...), criar espaços para a manifestação do "patologizar" torna-se condição sine qua non para o exercício deste trabalho psicológico.

Resumo do último encontro em 2009 de nosso seminário:

A incompatibilidade da expressão ' tratamento psicológico" ´para Hillman na medida que são termos que se cancelam mutuamente / Fantasias criam realidade e moldam nossos hábitos, pensamentos, idéia e afetos / a relação do analista com o pathós do paciente / a interpretação heróica como defesa frente ao desconhecido presentificado pela imagem/ como estabelecer uma relação marcada por Eros pelo Pathós do outro? / A necessidade de provocar a ausência e deslocamento dos narcisismos para que a alma possa fazer a sua epifania / o " Fazer alma" como possibilidade de esvaziar a rigidez dos sentidos cronificados / " Deixar a alma dar as regras e seguí-la" - Dictum da Psicologia Arquetípica / Quantos enredos um analista possui em sua alma? / o fracasso da linguagem espiritual-transcendental e médica-ortopédica diante das imagens da alma / qual linguagem é tributária da alma? / o analista e o verbo poético-imaginativo / A que Deus devo prestar homenagens? / Eros, Dioniso e Hermes X Hera, Atená e Apolo/ A aceitação incondicional e irreversível da alteridade das imagens do patologizar /Aceitá-las como são é a prática da renúncia da intenção de compreensão, entendimento, tratamento ou supressão.


OBS: Como atividade paralela ao nosso estudo, assistiremos ao DVD do Seminário proferido por James Hillman em dezembro do ano passado ( 2009) cujo tema foi " Jung e a Imaginação ativa". Neste Seminário, Hillman se dedicou a examinar imaginativamente o recém lançado " Red Book" de Jung a fim de exemplificá-lo como atitude ética e estética de Jung diante da autonomia das figuras e imagens do inconsciente.

Datas:

6 de Fevereiro
13 de março
10 de Abril
8 de Maio
12 de Junho


Duração: 10hs às 13hs
Valor: 120 reais por encontro
Local: Local: Rua Pamplona, 1018, cj.33. Jardim Paulista - metrô Trianon-Masp



Coordenação:Marcus Quintaes
Psicanalista Junguiano.
Fundador do projeto “ Rubicão: Travessias Junguianas”. Rio de
Fundador do grupo Himma – Estudos em Psicologia Imaginal (http://www.himma.psc.br/). SP
Membro da International Association for Jungian Studies ( IAJS).
Coordenador do Curso de Extensão “ Jung e os Pós-Junguianos” no Rio de Janeiro junto com Henrique Pereira.
Coordenador de Seminários sobre o pensamento Pós-Junguiano e a Psicologia Arquetípica de James Hillman no Rio de Janeiro, São Paulo e outras cidades.

Informações:

marcusquintaes@uol.com.br
(21) 25435006